quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Mixando Sérgio Vaz ou "Feliz aniversário, otário, vivi nos anos 90"

O texto a seguir é resultado da fusão de dois textos de autoria do Poeta Sérgio Vaz (Paz na periferia e Antes que seja tarde). Seu título remete a isso e a uma música de Black Alien cuja letra demonstra bem que, em muitos aspectos, os anos 90 estão de volta, como Sérgio Vaz coloca em seu texto, ou nunca se foram, como eu prefiro considerar. Deixou-se as palavras do poeta como foram encontradas nos textos de referência, e as inserções feitas estão colocadas entre [ ]. Duas exclusões foram feitas, para adequar o texto com a minha trajetória de vida, e estão assinaladas com as palavras tachadas. Assino ao final somente para deixar claro que a responsabilidade pela fusão realizada é inteiramente minha, e também que concordo com o teor nela exposto.

Poeta Sérgio Vaz (foto retirada do Facebook do escritor)

***

Se não fosse tão covarde acho que o mundo seria um lugar melhor pra viver.
Não que o mundo dependa só de mim para ser melhor, mas se o medo não fosse constante ajudaria as milhares de pessoas que agem pelo mundo como centelhas tentando criar uma labareda que incendiasse de entusiasmo a humanidade. Mas o que vejo refletido no espelho é um homem abatido diante das atrocidades que afetam as pessoas menos favorecidas.
Porque se tivesse coragem não aceitaria as crianças passarem fome, frio e abandono nas calçadas, essas que parecem fantasmas, nos assustam nos semáforos com armas na mão, nos pedem esmolas amontoadas em escolas que não ensinam, e por mais que elas chorem, somos imunes a essas lágrimas.
Você acha que se realmente tivesse coragem aceitaria uma pessoa subjugar a outra apenas pela cor da sua pele? Do seu cabelo? Um poema é quase nada disso tudo.
Sou um covarde diante da violência contra a mulher, da violência do homem contra o homem que só no Brasil são 50.000 deles arrancados à bala do nosso pacífico planeta. Que dizer da violência contra os homossexuais que são apedrejados nas calçadas das avenida elegantes?
Se homicídio fosse esporte olímpico, São Paulo [Belém, Marabá, Santarém ou Abaetetuba...] ganharia[m] medalha de ouro. Mas como não é, ficamos nós com as medalhas de sangue e de lágrimas. E pra mim, nenhuma vida vale mais do que a outra, porque quem morre, deixa mais do que saudade, deixa família, filhos, lembranças... O homicídio é um crime extremamente deselegante.
É assustador tudo que está acontecendo na periferia paulistana [belenense, marabaense, santarena, abaetetubense...], é como se voltássemos ao final dos anos 80 e início dos anos 90, onde todos tínhamos medo de sairmos às ruas e sermos executados pelo simples fato de existirmos.
Pois é, esses dias estão de volta. O medo e a morte tomou conta das ruas.
A chacina é uma viagem que te leva mesmo você não tendo passagem.
E se [eu] tivesse mais fé na minha humanidade de maneira alguma aceitaria que um Deus fosse melhor que o outro, mas sou tão covarde que nem religião tenho, e minhas mãos que não rezam, já que estão abertas, poderiam ajudar a construir um templo onde caberiam todas elas, mas eu que não tenho fé nem em mim mesmo sou incapaz de produzir esse milagre. De repartir o pão.
E porque os índios estão tão longe da minha aldeia e suas flechas não atingem meus olhos nem meu coração, não me importo que lhe tirem suas terras, sua alma, seus rios, e analfabeto de solidariedade não sei ler sinais de fumaça, eles fazendo guerra eu fumando o cachimbo da paz. Se tivesse um nome indígena seria cachorro medroso.
Se fosse o tal ser humano forte que alardeio por aí, não concordaria em aceitar famílias inteiras sem onde morar, vagando em busca de terra, ou morando em barracos de madeiras indignas pendurada nos morros, ou na beira de córregos. Não nasci na favela, mas [por isso] meu coração é de madeira, fraco.
A lei condena um homem comum que rouba outro homem comum e o enterra na masmorra moderna, mas nada faz contra aquele político corrupto que rouba milhares de pessoas apenas com uma caneta, ou duas, e que de quatro em quatro anos a gente aperta-lhes a mão, quando na verdade devíamos cuspir-lhes na cara. E eu como um juiz sem martelo não faço nada além de condená-lo ao meu não voto. É pouco, já que sei onde eles se entocam. A lei é cega, mas acho que lhe fizeram transplante de órgãos numa dessas votações secretas.
Não vejo outra forma de combater o crime, que não a educação pública de qualidade. Nós abandonamos as crianças, os professores e o ensino público, agora estamos com o cu na mão com medo dos adultos.
As Escolas públicas estão parecendo privadas, e só agora essa sociedade hipócrita está sentindo o cheiro, através desses crimes bárbaros de jovens que sangram nas calçadas quando deviam estarem suando nos bancos das universidades. Ah!, é contra as cotas raciais, né? Se quiserem podemos reservar uma cota de violência pra vocês. É, essa violência que vocês vem nos jornais, e nós, ao abrirmos as janelas... e desde sempre.
Assisto a falência da educação e o massacre contra os professores e sei que muitas vezes o resultado de ensino de qualidade mínima é presídio de segurança máxima, fico em silêncio quando a multidão desinformada pede redução da maioridade penal, porém, mal ela sabe que se não educarmos nossas crianças vão ter que prendê-las com 16 anos, depois 14, depois 12, depois, não teremos mais crianças nas ruas. E elas, as ruas, serão tão seguras que a gente vai sentir falta das crianças. Época em que os brinquedos serão visitados nos museus.
As pessoas pedem a redução da maioridade penal, eu quero o aumento da maioridade educacional.
Chega de convites para enterros e visita em presídios, quero convite para assistir formaturas.
Podem mandar tanques de guerras, aviões da FAB, invadirem favelas, matarem todos nós nas esquinas escuras da periferia, porque se não investirem na educação, vão ter que continuar matando, matando, matando...porque vocês já sabem quem morre: nós os brasileiros pobres e pretos.
Viver, ainda que doa, é melhor do que deixar saudades, porque nenhuma vida é maior que a outra. Vale tanto para o Elefante como para a formiguinha.
Estão cortando as árvores, cortand as árvore, cortan a árvore, cort árv, co á… madeiraaaaa! E aceito a cara-de-pau dos donos das serras elétricas e sei que o machado está nas minhas mãos. Depois fico abraçando o lago poluído quando na verdade deveria estar mergulhado nele, assim como os peixes mortos.
Pagos os meus impostos e sei que eles não fazem nada com eles, ainda assim faço propaganda da minha consciência tranquila. Desconfio que é essa tal consciência tranquila que está acabando com o mundo.
Calado assisto a falsa democracia deste país ilegal, sem alvará de funcionamento e sem licença pra ser pátria, e me emociono com o hino nacional cantado antes do jogo da seleção canarinho.
Perdoe-me por apenas ser poeta, e ter apenas poemas como arma, ainda que ninguém me diga, sei que isso é muito pouco, quase nada. O sangue que pulsa na veia tinha que estar nos olhos.
O Mundo gosta das pessoas neutras, mas só respeita as que tem atitude. Se não posso mudar o mundo deveria [começar] a mudar a mim mesmo.
Acho que é isso que vou fazer agora.
Antes que seja tarde.

No silêncio da noite, um grito. No grito da noite, o silêncio.

Pah! Pah! Pah!

Se puderem, tenham paz.

***
Eis a tragédia. Desfrute-a (ou não).

Com farinha e sem açúcar,

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Fora, Temer!