segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Um novo desabrochar da flor do Lácio



Desde 1º de Janeiro de 2009 está em vigor o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que visa a unificação ortográfica do idioma, sua simplificação e aprimoramento em todos os países membros da comunidade lusitana e um aumento de seu prestígio internacional. Porém, junto com esse Acordo, surgiram dúvidas quanto ao fato de quais e quantas mudanças ocorrerão em nossa ortografia, como será feita a transição da atual norma ortográfica para a nova norma estabelecida e como foi elaborado este novo regimento. Logo, propus-me pesquisar para esclarecer tais dúvidas, possibilitando minha atualização ortográfica e a exposição do que pude encontrar de esclarecedor para todos os que acompanham as publicações deste blog. Para tanto, utilizei-me do que está sendo veiculado na mídia (conteúdo que considero pobre em relação ao que os meios de comunicação em massa poderiam e deveriam dispor à população, demonstrando mais uma vez o descompromisso que os “formadores de opinião” têm com a Educação e a Cultura de nosso país) e tive acesso, por meio do site do Ministério da Educação, ao Diário Oficial da União de 30 de Setembro de 2008, data na qual foi publicado o Decreto Nº 6.583, de 29 de setembro de 2008, que promulga o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
Histórico do Acordo
O Acordo em questão não é assunto tão recente como muitos (inclusive este que lhes escreve) pensavam. Ele teve seu projeto aprovado em Lisboa no dia 12 de outubro de 1990 pela Academia das Ciências de Lisboa, Academia Brasileira de Letras e pelas delegações de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe, tendo adesão da delegação de observadores da Galiza, sendo assinado, naquela mesma cidade, em 16 de dezembro de 1990 pelos representantes da República Popular de Angola, República Federativa do Brasil (representada por Carlos Alberto Gomes Chiarelli, Ministro da Educação à época), República de Cabo Verde, República da Guiné-Bissau, República de Moçambique e República Portuguesa, com distribuição de um exemplar de mesmo teor e valor para cada delegação. Em seu projeto foi estabelecida a data de 1º de janeiro de 1993 como prazo final para elaboração, pelos Estados signatários do Acordo, através de suas instituições e órgãos competentes, de um novo vocabulário ortográfico comum à língua portuguesa que atendesse a todas as expectativas possíveis, e a data de 1º de janeiro de 1994 para inicio de seu vigor, após apresentação, por parte de todos os Estados signatários junto ao Governo da República Portuguesa, dos instrumentos necessários à sua autenticação. Aqui no Brasil, o Acordo foi aprovado pelo Congresso Nacional, por meio do Decreto Legislativo Nº 54, em 18 de abril de 1995 e teve seu instrumento de ratificação depositado junto ao Ministério de Negócios Estrangeiros da República Portuguesa em 24 de junho de 1996, entrando em vigor em âmbito internacional e num plano jurídico externo em 1º de janeiro de 2007.
O Acordo, como já citado anteriormente, já está produzindo efeitos desde 1º de janeiro de 2009, entretanto, como o mesmo não obedeceu os prazos estipulados, para regularizá-lo foi necessária a adoção de dois Protocolos Modificativos, um de 17 de julho de 1998, assinado na Praia e o outro de 25 de julho de 2004, assinado em São Tomé, no qual houve a adesão da República Democrática de Timor-Leste. Verifica-se que ele prevê um período de transição, no qual a antiga e a nova norma ortográfica coexistirão, que se estenderá até 31 de dezembro de 2012. Seu anúncio, no dia 29 de setembro de 2008, foi marcado por uma cerimônia realizada no Salão Nobre da Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro, em meio a celebração dos 100 anos da morte do escritor brasileiro Machado de Assis e foi presidido pelo presidente Lula, que ressaltou uma aproximação do Brasil com suas raízes, a importância dos acordos educacionais e culturais do Brasil com os países da África que falam português e um fortalecimento da língua e cultura brasileira.
Acredito que, embora existam resistências e dificuldades de transição de uma norma para outra, tal medida possibilitará o fortalecimento que se propõe da língua portuguesa e uma melhoria nas relações entre as Nações lusófonas, além de extinguir certas peculiaridades que, se algum dia tiveram alguma função, hoje estavam totalmente obsoletas. Entretanto, para que o Acordo seja realmente cumprido e não vire mais uma lei “elefante branco”, é importante a realização de um processo de reeducação da população eficaz e de reciclagem e adequação dos meios didáticos (livros, professores, etc.) às novas normas por parte de todas Nações envolvidas. No Brasil, por exemplo, foi estabelecido que a partir de 2010 os livros escolares distribuídos pelo Ministério da Educação à rede pública de ensino deverão ser editados somente na nova ortografia. Medidas iguais a esta e outros cuidados são necessárias para que não ocorram mais uma vez os fracassos obtidos nas tentativas de 1931, 1943, 1945, 1975 e 1986, embora a promulgação de algumas leis em 1971, no Brasil, e 1973, em Portugal, terem reduzido algumas divergências ortográficas entre os dois países.

Quais mudanças mais significativas?
Segundo dados do MEC, 0,8% dos vocábulos no Brasil e 1,3% em Portugal serão modificados pelo Acordo, ocasionando uma unificação de cerca de 98% do vocabulário geral da língua. Note que Portugal terá um percentual maior de mudanças do que o Brasil. Isso deve-se, principalmente, ao fato de que Portugal terá que suprimir consoantes mudas em alguns vocábulos, como ação (acção), ativo (activo), diretor (director), ótimo (óptimo), entre outras, enquanto o Brasil já as aboliu a certo tempo. Veja abaixo a relação de algumas normas ortográficas presentes no Novo Acordo (algumas realmente novas outras remanescentes da antiga norma que julguei importante ao conhecimento de todos):
Recomendação da substituição, sempre que possível, de nomes próprios de línguas estrangeiras por formas vernáculas, quando estas estejam vivas em português, se já forem antigas, ou se puderem ser inseridas no uso corrente, o que evita um corrompimento da língua por estrangeirismos. São citados como exemplos no acordo os seguintes casos: Anvers, substituído por Antuérpia; Cherbourg, por Cherburgo; Garonne, por Garona; Genève, por Genebra; Jutland, por Jutlândia; Milano, por Milão; München, por Munique; Torino, por Turim; Zürich, por Zurique, etc.
Suprime-se o h “quando, apesar da etimologia, a sua supressão está inteiramente consagrada pelo uso: erva, em vez de herva; e, portanto, ervaçal, ervanário, ervoso (em contraste com herbáceo, herbanário, herboso, formas de origem erudita)”.
“Em algumas (poucas) palavras oxítonas terminadas em -e tônico, geralmente provenientes do francês, esta vogal, por ser articulada nas pronúncias cultas ora como aberta ora como fechada, admite tanto o acento agudo como o acento circunflexo: bebé ou bebê; bidé ou bidê, canapé ou canapê, caraté ou caratê, croché ou crochê, guiché ou guichê, académico ou acadêmico, matiné ou matinê, nené ou nenê, ponjé ou ponjê, puré ou purê, rapé ou rapê. O mesmo se verifica com formas como cocó e cocô, (letra do alfabeto grego) e . São igualmente admitidas formas como judô, a par de judo, e metrô, a par de metro.”
Os ditongos representados por -ei e -oi na sílaba tônica das palavras paroxítonas não são acentuados. Assim, algumas palavras, que antes recebiam acento agudo nesses casos, como assembleia, ideia, epopeico, onomatopeico, proteico, heroico, jiboia, apoio (do verbo apoiar) e alcaloide, perderão o acento, equiparando-se a aldeia, baleia, cadeia, cheia, meia, apoio (subst.) e dezoito.
Torna-se prescindível o uso de acento circunflexo nas formas verbais paroxítonas que contêm um e tônico oral fechado em hiato com a terminação -em da 3ª pessoa do plural do presente do indicativo ou do conjuntivo, conforme os casos: creem, deem (conj.), descreem, desdeem (conj.), leem, preveem, redeem (conj.), releem, reveem, tresleem, veem. Também dispensa-se o acento circunflexo para assinalar a vogal tônica fechada com a grafia o em palavras paroxítonas como enjoo (substantivo e flexão de enjoar), povoo (flexão de povoar), voo (substantivo e flexão de voar), etc.
Cai em desuso a adoção de acento, seja agudo ou circunflexo, de palavras que, sendo homógrafas, possuem mesma vogal tônica aberta ou fechada, deixando, portanto, de se distinguirem pelo acento gráfico, tal como: para (á), flexão de parar, e para, preposição; pelo(s)(ê) (antes pêlo), substantivo, e pelo(ê) combinação de per e lo(s); polo(s)(ó), substantivo, e polo(s), combinação antiga e popular de por e lo(s); etc.
É inteiramente suprimido o uso do trema (¨) em palavras portuguesas e aportuguesadas, exceto quando tratar-se de nomes próprios estrangeiros e seus derivados, tais como hübneriano, de Hübner, mülleriano, de Müller, etc.
Não mais se usa o hífen em formações em que o prefixo termina em vogal e o segundo elemento começa por r ou s, devendo estas consoantes duplicar-se, prática aliás já generalizada em palavras deste tipo pertencentes aos domínios científico e técnico. Assim temos: antirreligioso, antissemita, contrarregra, comtrassenha, cosseno, extrarregular, infrassom, minissaia, tal como biorritmo, biossatélite, eletrossiderurgia, microssistema, microrradiografia.
Com relação às letras mudas, serão suprimidas. Entretanto existem alguns casos em que, devido fatores geográficos, se permite dupla grafia, tal qual súbdito e súdito, subtil e sutil, amígdala e amídala, omnisciente e onisciente, aritmética e arimética. Nestes casos, os dicionários de língua portuguesa deverão registrar as duas formas, esclarecendo, tanto quanto possível, sobre o alcance geográfico e social desta oscilação de pronúncia.
A importância da unificação da língua
Considerando todas as mudanças que estão em curso na ortografia da língua portuguesa no Brasil e em todos países lusófonos, surgiram algumas manifestações contrárias a tais medidas. Entretanto, partilho a mesma opinião de muitos cidadãos sensatos que reconhecem que o primeiro patrimônio de um povo é sua língua, que deve ser valorizada e fortalecida como qualquer outro patrimônio. Portanto, esta padronização fortalece o reconhecimento internacional deste que é um dos cinco idiomas mais falados no Mundo, evita impasses quanto qual “vertente” do idioma (o de Portugal ou do Brasil), originadas em 1911, quando foi realizada uma grande reforma ortográfica em Portugal que não foi adotada pelo Brasil, será usada para à elaboração de documentos de alcance internacionais, permite a eliminação de algumas dificuldades, principalmente quanto a localização das palavras nos dicionários, de estudantes e professores estrangeiros de português, viabilizando uma maior propagação do idioma pelo Mundo, e possibilita uma aproximação maior das nações que o adotam, como língua oficial ou não, em todas as atividades humanas: comércio, cultura, política, etc. Um exemplo de como essa unificação terá um efeito positivo na realidade é a redução de custos de editoras brasileiras que comercializam livros nos países lusófonos da África ao dispensarem a elaboração de uma nova edição das obras para adequá-las ao português local.
Assim, considero que estamos vivendo um momento ímpar para a filologia brasileira e portuguesa, visto que desta vez há um consenso maior quanto às mudanças que serão feitas e um percentual menor de vocábulos que sofrerão mudanças, diferentemente do que ocorria nas primeiras tentativas de recriar somente um idioma português, onde as mudanças seriam feitas em praticamente toda a língua com, inclusive, retorno de algumas normas já abolidas no Brasil.
Para os conservadores, contrários à nova regra, convém informar que tais mudanças respeitarão as diferenças culturais, históricas e de pronúncia existentes atualmente e também é importante lembrar que, graças às mudanças acrescidas à língua, pudemos evoluir do latim vulgar, passando pelo galego-português dos Trovadores e deixando, não sem admiração e respeito à nossa pátria e nossa história, as Pharmacias nas esquinas de nosso passado, obtendo este maravilhoso idioma que, como disse Bilac, é esplendor e sepultura.

Fora, Temer!