terça-feira, 23 de setembro de 2014

(Foi pra rua? Vem pra urna!)?!

Assistindo às propagandas políticas aqui no Pará, em especial para a única vaga de senador disponível, percebe-se como ainda há um discurso fortemente marcado por uma política de implantar o medo no eleitor e de esvaziamento da participação política em períodos não eleitorais. Não entrarei detalhadamente na elevada desconfiança que tenho sobre todos os candidatos - desde o pretenso exemplo de homem e gestor públicos, Simão Bendayan, que, conhecedor de marketing político que é, e sobre o qual tem obra publicada, adotou o nome político de Simão do PV, passando por todos os outros candidatos, e culminando-se no "trabalhador" Duciomar Costa (sim, se há algo sobre o qual não se pode acusar Dudu é de não ser um "trabalhador", assim mesmo entre aspas, afinal o citado chegou inclusive a exercer a atividade de médico mesmo sem pode-la, e isso, desconfio eu, é prova cabal da sua vontade de "trabalhar para o povo", e não de sua "personalidade  com desvios de padrão de normalidade", seja lá o que isso signifique). Todos estes apresentam-se como representantes do povo, seus defensores. Minha dúvida é a mesma de M. Tragtenberg: quem irá defender o povo deles, no poder?

Bem, mas há que ir-se ao discurso do medo e que demonstra-se como intenção de domesticar o protesto político. Jefferson Lima, com sua demagogia à Wlad, disse uma vez ao pedir votos que o momento era agora e, caso não votassem nele, não adiantaria nada ir reclamar com ele depois (o candidato citado é radialista, e tal posição lhe permite trasvetir-se de defensor dos interesses do povo, principalmente das camadas mais populares, das quais conseguiu o carinho com suas bravatas denuncistas que, no entanto, vê-se que foram mais úteis para o seu projeto político do que para a mitigação das mazelas que destacava).
Helenilson Pontes, vice-governador do candidato à reeleição Simão Jatene (este que desde 2004 figura como acusado em investigação do Ministério Público Federal (MPF) pelo recebimento de propina da empresa Cervejaria Paraense S.A (Cerpasa) em troca de incentivos fiscais e perdão de dívida fazendária), por sua vez, tem uma chamada em que afirma que o Pará corre o risco de escolher o senador errado novamente, o que não deixa de ter um fundo de verdade, afinal, com as opções dadas, as possibilidades de acerto, tanto à esquerda, quanto à direita, são nulas. A chamada continua, também dizendo que depois não adiantaria reclamar.
Mário Couto, para finalizar somente com estes três candidatos, também esbraveja, como é de seu feitio de péssimo ator político, que o Pará não pode escolher candidato impugnado, candidato que envergonhe o estado e ex-mensaleiro, referindo-se claramente ao candidato Paulo Rocha, do PT, mesmo sem nomeá-lo. Mas, não apresenta suas propostas, as quais parecem estar presentes na paráfrase "eu não apresento propostas, mas que as tenho, as tenho", e para esse candidato, da mesma forma que para muitos dos demais, o eleitor deve confiar que ele é a melhor opção somente porque o outro concorrente não é boa opção.
E estes são nossos candidatos, cada vez menos políticos, afinal, para eles só se pode continuar defendendo o que dizem que irão defender(?) se eles ganharem. Assim, a defesa de causas e ideias, ao menos na retórica de suas propagandas, está condicionada à ocupação do cargo eletivo que disputam. Caso percam, não adianta procurá-los, mesmo com eles jactando-se das qualidades de homens públicos que possuem e da dedicação que têm com seu ofício (sic) de político, sempre destinado à defesa do povo. Alguém dúvida de que para eles, mesmos se forem eleitos, também não adianta nada reclamar?

Aí vem o complementar dessa política do medo, que é o discurso frequente, sobretudo quando se está diante de protestos que afetem suas necessidades mais egoísticas, de que a hora de protestar é nas urnas, não podendo ser feito nada antes disso e nem depois, até que se passem quatro anos e o povo seja "autorizado" novamente a apresentar seus pontos de vista políticos. E, para completar, as próprias instituições oficiais reforçam essa ideia. Se analisarmos as propagandas destinadas a sensibilizar o eleitor a ir votar, e isto num contexto de votação obrigatória que ainda e infelizmente se mantém, fica clara tal postura. Ali apresenta-se essa ideia de que o lugar de protesto por excelência é na urna e que mesmo nesse contexto de desigualdade na detenção dos diversos tipos de capital existentes - como pode ser exemplificado com os contextos de informações oligopolizadas por mídias hegemônicas (vide a polaridade ORM/Maiorana/PSDB e RBA/Barbalho/PMDB-PT aqui no Pará, onde os dois grupos igualam-se nas mentiras e nas verdades que trocam entre si) que fazem com que os eleitores, de forma bem geral, não tenhamos as melhores condições de escolha do voto, esta prática a nós imputada de maneira quase desumana -, parece ser em nós que reside a responsabilidade final sobre os atos de corrupção.
 É a mesma lógica de outros discursos conservadores e reacionários: "bem feito ter sido assaltado. Quem mandou ficar zanzando por aí na rua?!", "mas se vestir assim, minha filha, é pedir para ser estuprada", "acho precipitação ter se manifestado contra: quanto mais se falar, mas vai ter racismo", etc. Ao que parece, se não fosse tão somente pela conduta do assaltado, da estuprada, do negro, e do eleitor, não teríamos roubos, estupros, racismo e nem corrupção no Brasil. 
Esta é a crença basilar da democracia representativa que adotamos, que urge por uma revisão e por uma democratização. Defende-se a ideia de que todos os setores da sociedade estão ali representados, mas esquece-se da ilusão que representa este dito pacto social, posto em cada agente haver um peso que lhe é próprio e que faz com que não existam condições equitativas de representatividade e de acesso às arenas públicas onde os embates políticos se dão. E aquelas arenas públicas mais próximas de nós nos são ora negadas, ora esvanecidas com esse discurso de que o protesto só pode ocorrer na urna e que depois da eleição não adianta reclamar, pois toda a sujeira feita por quem foi eleito é culpa nossa, que, envergonhados como na propaganda da Justiça Eleitoral, só poderemos mudar o quadro nas próximas eleições. E assim se vê que a atual política brasileira vira a obra de More do avesso.

Eis a tragédia. Desfrute-a (ou não).

Com farinha e sem açúcar,

Açaí ou Barbárie.

P.S: Não estou tentando dizer que não há uma responsabilidade imputada no ato de votar. Pelo contrário, acredito que na conjuntura política que nos é contemporânea, tal ato beira a desumanidade tamanha a sua responsabilidade. O que se refere aqui é que a responsabilidade política, isto é, a congruência entre retórica e ação, deve estar presente não somente nesse momento, mas em todos aqueles que se apresentarem e que se vislumbrem como oportunos e necessários para os que ali desenvolverão esta ação impura por si mesma que é a ação política. Também digo que os dois discursos apresentados em lugar de gerarem uma conscientização do eleitorado, distanciam cada vez mais dele uma participação política espontânea e livre. É lógico que há muito mais por trás do que apresentei, e inclusive no que apresentei, afinal, como disse Castoriadis, o que existe por trás das aparências são outras aparências.

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