sexta-feira, 22 de abril de 2011

Lágrimas de álcool



O texto abaixo representa um pouco, descontadas as peculiaridades, o meu estado de espírito atual. Esse é o quinto capítulo do livro "O Suicida ou Narcomania: o retrato de um anti-heroi", de Dom Aquiles Crowley. Começado a ser escrito em 30 de dezembro de 2008, o livro se encontra paralisado desde 11 de maio de 2009.


Skull of a Skeleton with Burning Cigarette (1886) - Vincent van Gogh (1853-1890)

Trrrriiiiimmmmmmmm....O telefone tocou!
-“Alô?”, Seu Mário atendeu.
-“Se-se-u Má-má-rio, o senhor está bem?”, uma voz trêmula e engasgada respondeu.
-“Aconteceu algo? O que está havendo?”
-“Seu Mário, foi o Dionísio...”
-“O quê aconteceu com o Dionísio?!”
-“Bem... Ele... Ele foi encontrado... foi encontrado mor... morto hoje de manhã e....”, tum tum tum tum, o telefone foi desligado do outro lado.

Mário Balder era dono de uma pequena loja de auto peças em Abaetetuba, onde reconstruía sua Vida e trabalhava movido por um Sonho: ver Dionísio formado, administrando e fazendo crescer o negócio da família. Ele viveu com a mãe de Dionísio por doze anos e moravam em Belém, onde eram donos de um bar e um restaurante, separando-se dela, quando o filho tinha onze anos, de uma maneira dura, regada a lágrimas e muito álcool. Dionísio acreditava que haviam outros motivos além do alcoolismo do pai para aquela separação, mas fechou-se consigo mesmo de tal forma que não conseguia Coragem para descobri-los, e sofreu muito com tudo aquilo, um Sofrimento calado, oculto, no silêncio e escuro da madrugada, sob os lençóis que ora serviam para enxugar sua lágrima, ora para serem colocados na boca para sufocar e amordaçar o Pranto.
Foi ali na cama que, cortando ao meio as fotos que tinha de seu pai junto com sua mãe, começaram a se manifestar as primeiras mudanças no seu modo de viver e agir; nasceu o Sofrimento, seu amigo mais íntimo e que sempre o acompanhava. Nasceu nu, como nascem todos os bebês, e fraco, precisando de uma incubadora, como todos os prematuros, mas foi bem cuidado e alimentado, fez-se forte, robusto, belo (se não fosse não o estaria retratando aqui, leitor ignorante), mas não veio só a este Mundo. Junto a ele vieram dois irmãos: a Rebeldia, que também o acompanhou por toda a Vida e gerou filhos, alguns lindos, mas que só as pessoas de coração reto e espírito crítico podem detectar, que chamamos Virtudes, e outros horríveis e corrompidos, os quais os hipócritas transformam na única maneira de se recordar das pessoas, chamados de Vícios; e o Ódio, que tornou-se um mordomo em seu Coração, onde o Sofrimento era senhor e a Rebeldia, com seu ar feminino e feminista, madame. Com relação ao mordomo dessa bela e imponente mansão que é o Coração humano, mostrou-se forte, sobretudo com relação ao pai de Dionísio, visto pelo filho como responsável por aquela separação e acusado de abandoná-lo para viver no interior do Pará, entregue ao famoso destilado de cana daquela região e aos braços das mais diversas mulheres em detrimento da felicidade do “herdeiro do trono nórdico”, algo que realmente ocorreu nos quatro primeiros anos que se sucederam.
Entretanto, Dionísio assassina a sangue frio aquele Ódio, com ajuda de seus irmãos que, inspirados em Caim, sentiram que perdiam espaço no Grande Castelo para um simples e paupérrimo serviçal, quando percebe que, após aqueles quatro anos em que as mulheres e os drinques cumpriram mandato na Vida de Mário, o pai superara a Dor e voltou-se, como outrora, a pensar no filho. Mas, todo aquele tempo convivendo com um ser tão colérico tornaram Dionísio um jovem preso aos seus próprios Sentimentos e Pensamentos. Além disso, possibilitou um aprendizado que marcou sua Vida: “o Sofrimento vai embora após uns drinques e algumas transas”, pensara ele. Pobre Dionísio! Talvez estivera, em determinado ponto, certo em suas reflexões, entretanto não entendera que eram algumas mulheres e doses de bebida, e não garrafas e mais garrafas de todo tipo de bebida, automutilação, putas e vadias, pasta de cocaína, papelotes de maconha ou saquinhos de pó.
Mário casou-se novamente, mas não teve mais nenhum filho. Largou o álcool e dedicava-se exclusivamente a duas coisas: seu trabalho, de onde tirava o sustento para si e pagava os estudos do filho, e sua esposa. Uma vez por mês ia à Belém visitar Dionísio, e nunca percebera algo de errado: desde cedo o filho aprendera a esconder seus sentimentos e pensamentos e tornara-se praticamente insondável. Não aprovava o fato do filho morar sozinho na capital, visto que ele, como já foi dito, morava em Abaetetuba, e a mãe de Dionísio, em Paragominas; mas, aceitava a situação devido o filho está cursando faculdade na capital e, mais do que isso, sentia maturidade e confiava no filho.
Aquele homem, que havia se regenerado e fortalecido, fraquejou naquele instante. Pediu a um de seus funcionários que fechasse a loja no final do expediente e saiu, atônito e sem responder a pergunta de seus funcionários sobre o que havia acontecido, tal o abalo que sofrera. Pôs-se a andar sem saber para onde ir e sem responder às saudações dos muitos conhecidos que cruzavam seu caminho. Ia refletindo o porquê de não ter atentado mais para o comportamento do filho.
Era seu dever de pai buscar informações junto aos vizinhos da casa que alugara sobre o tipo de pessoas com quem o filho mantinha amizades e o que andava fazendo, mas as Saudades e a vontade de ver, abraçar e beijar o filho o cegava e o fazia limitar-se apenas ao que ouvia dele. Nesse momento, um anjo sujo e mal vestido deteve Mário em frente a um bar, o mesmo que há anos atrás o via caído, bêbado e maltrapilho. Mário entrou no bar e tudo estava do mesmo modo, exceto por alguns bêbados que já não frequentavam o decaído estabelecimento: dois ou três, dos quais Mário era um, largaram seus ofícios etílicos e outros tantos jaziam no cemitério público, uns vítimas da violência que um pequeno exagero de doses pode causar, e que num dia quase levou a alma de Mário, que ainda guarda as cicatrizes no tórax, outros, a maioria na verdade, sucumbiram aos combalimentos do fígado.

-“Uma dose de vodka!”, o homem falou depois de um século de silêncio que se fez com sua repentina entrada após aqueles cinco anos que se passaram desde a última dose.

-“Seu Mário, o senhor tá com algum problema?”, perguntou o dono do bar, admirado com o velho cliente que retornara, uma versão porca do Filho Pródigo do Evangelho.
-“Isso aqui é um bar ou um consultório psiquiátrico? Cadê minha dose, estou esperando homem!!”, respondeu Mário, sentando-se e abaixando a cabeça.
-“Iiihhh... Deve de ser chifre...”, punha-se a dizer um bêbado sentado aos fundos do bar espetando uma azeitona que, felizmente, não foi notado por Mário.
O dono do bar colocou a dose pedida, que foi consumida só num trago e acompanhada do pedido de mais uma, agora mais forte.
-“Mas seu Mário, o senhor....”
-“Mas é o caralho! Me dá outra dose, porra, eu vou pagar!”
Álcool... Recolhido da garapa da cana, tal qual o melado, mas, diferente do outro, que vem adoçar as miseráveis vidas do povo do sertão, é feito para inflamar, não só da maneira literal, mas também, e principalmente, aquecer o Coração dos necessitados. Mário passou da conta, mas não o julgue e tão pouco o condene por isso: você não tem o mínimo entendimento e maturidade de espírito para fazer isto. Ele se sentia impotente em frente ao que acontecera a seu filho, precisava de um acalento para seu Coração. Na verdade, queria estar louco, tal qual o rei trácio que retalhou o filho a machadadas. Não! Não era isso que deveria e queria ter dito, entretanto não apago esta linha pois a palavra dita, tal qual a flecha lançada, não pode retornar antes de cumprir seu curso. Fica então uma retratação: desculpe-me, leitor, minha falta de coerência, bom senso e poesia e meu gosto pelas lendas gregas, que acabam ofendendo sua “vã filosofia”.
Mário não queria a Sandice, ela é péssima noiva, e muito menos recolher os pedaços do filho. Queria o filho a seu lado, queria ajudá-lo, levantá-lo quando este caísse (tal qual fazia quando o ensinara ainda pivete a andar de bicicleta), cobrir-lhe com o mais caloroso cobertor nos dias de inverno ou segurar em suas mãos como quando o filho chorava de medo das frestas da ponte de madeira do Porto do Arapari, mas sempre inteiro e pronto a um novo e belo aprendizado. Porém não podia fazer isso, pois a bela Perséphone o seduziu, e o impiedoso Hades, ferido em sua Honra, o prendera no Tártaro, tal como fez a seu pai e aos outros poderosos Titãs, como punição por cortejar a Rainha dos Mortos e pelo formoso par de chifres que recebera em sua incandescente cabeça.
Então, como resgatar Dionísio? Impossível, só os heróis gregos eram capazes de tais façanhas e todos já não vivem. Como ele pagaria Caronte, o barqueiro, ou como derrotaria Cérbero, o Guardião do Inferno? Mais uma vez ele se sentiu impotente, e essa impotência se mostrou em lágrimas, mas não lágrimas comuns a um mortal e nem lágrimas de um imortal, se é que estes choram, mas lágrimas de um pai, pois ser pai é mais que ser mortal ou imortal, é morrer e renascer a cada geração que se sucede como um novo galho no mesmo tronco da Árvore da Vida. Portanto, eram lágrimas de álcool, que ardiam seus olhos e queimavam seu Coração. Eram lágrimas e soluços e uma dose e uma blasfêmia e outra dose e... “Não!!! Um tira-gosto não, pois preciso sentir todo o amargo que existe em meu Coração para poder temperá-lo com o sal de minhas lágrimas. Lágrimas de álcool...”.

2 comentários:

Jéssica Souza disse...
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Amarildo Ferreira disse...

O Aquiles tava meio esquecido, solitário, então resolvi trazê-lo pra cá. Vou tornar esse meu alterego uma espécie de colaborador, pra trazer um pouco de seu caráter subversivo e seus escritos irônicos e carregados de significados pra esse turbilhão que é o AParáTto.

Fora, Temer!