segunda-feira, 16 de julho de 2012

Eu queria ter um título para esta postagem


Lendo hoje o livro A ética protestante e o espírito capitalista, do alemão Max Weber (1864-1920), me deparei com o trecho a seguir:

"[...] esta ideia peculiar do dever profissional, tão familiar a nós hoje, mas, na realidade, tão pouco evidente, é a mais característica da 'ética social' da cultura capitalista, e, em certo sentido, sua base fundamental. É uma obrigação que o indivíduo deve sentir e que realmente sente, com relação ao conteúdo de sua atividade profissional, não importando no que ela consiste e particularmente, se ela aflora com uma utilização de seus poderes pessoais ou apenas de suas possessões materiais (como 'capital')".
(p. 33-4)

Inferir algo desse trecho é tarefa complicada, posto que a leitura de Weber, em geral, é densa, o que requer um arcabouço de conhecimentos claros e específicos para sua sustentação. Além disso, é necessário que se verifique o contexto em que o trecho extraído está inserido, levando-se em consideração, portanto, as análises e reflexões anteriores e posteriores elaboradas pelo autor, para não incorrer no erro, intencional ou ingênuo, de distorcer a significância presente na passagem.
Deste modo, e expondo o que de imediato pensei e refleti ao ler a passagem acima, deixo minha crítica a um fenômeno recorrente: a (de)limitação do pensamento sob a justificativa da formação. Bem, sou ciente do fato de que a divisão do conhecimento técnico-científico e da atuação profissional em áreas tem seus benefícios tanto ao indivíduo, quanto à Sociedade, pois define expertises e responsabilidades; entretanto, percebo que há, sobretudo no capitalismo ocidental, certa atuação destinada a fracionar a completude do indivíduo (com relação a este ponto, sugiro a leitura de Ana Cristina Limongi França, que apresenta o conceito de homem biopsicossocial).
Na prática, percebe-se, embora de forma tênue e sutil, posto esconder-se por trás de falácias e engodos, a redução do poder de atuação do indivíduo e de seu campo de atuação, sobretudo político e social. Em minha monografia abordo, embora superficialmente, como a lógica atual reduz o indivíduo, descaracterizando a relação com sua classe social ao colocar pessoas de uma mesma classe social em posições e funções diferentes, geralmente com objetivos divergentes (isto considerando-se a ideia de Fernando Prestes C. Motta e Isabella Gouveia de Vasconcelos de que a organização é uma arena política com conflitos pela propriedade de recursos).
Além dessa ruptura com a identidade de classe, há a gênese de grupos profissionais que passam a ter um conjunto pré-definido de temas e assuntos que devem estudar, "discutir" e que lhes são restritos, originando, por exemplo, formas de comunicação limitadas a esses grupos, como é o caso da Administração (ciência na qual tenho formação) e seus campos de conhecimentos afins e adjacentes - prova disso é a "série" de postagens GesLinguística que mantenho aqui no Monkey Club.
Esses dialetos profissionais, em minha análise, atuam pelo menos de duas formas: como elemento constituinte da identidade dos membros desse grupo (na variante positiva, que pode ser pela identificação, por meio do vocabulário, das pessoas que possuem interesses idênticos e que, portanto, podem interagir e enriquecer seus conhecimentos desse assunto por meio de interações; e na variante negativa, quando, por exemplo, não raramente um indivíduo desconheça algum termo presente em sua língua profissional tem colocado em dúvida o seu real merecimento em pertencer àquela classe); e como meio de contenção do saber, e do poder que este contém, ao evitar o entendimento dos temas e assuntos discutidos por quem é alheio àquela formação (com relação a esse efeito, minha crítica se baseia justamente nessa contenção de saber que, de acordo com a perspectiva até então adotada, perpétua o status quo e a lógica vigente, recaindo, ainda mais, sobre mestres, doutores e demais pesquisadores, que, frequentemente, realizam seus estudos e pesquisas de dentro da academia para dentro da academia, restringido o acesso a um grupo de "intelectuais" que jazem inertes com seus títulos pomposos, no que Maurício Tragtenberg, de forma mais profunda, ampla e detalhada, definiu de delinquência acadêmica).
Divagações a parte, o objetivo desta postagem é justamente expressar minha discordância desta lógica vigente. Esta (de)limitação da atuação do indivíduo gera disfunções sociais, pois não permite interdisciplinaridade na discussão de assuntos que não podem ser analisados sob apenas uma perspectiva. Aliado a esse condicionamento, ou originário dele, há a omissão de grupos profissionais na discussão de assuntos no qual sua participação é não somente necessária, mas primordial ao encontro de uma solução.
Como agravante, ainda existe uma dupla atuação direcionada à manutenção de debates pobres em perspectivas: a exclusão da discussão de alguns grupos sob a justificativa de terem características e qualificações que não os credenciem a participar do debate, e a própria autocensura de membros de tais grupos. Desse modo, o contador fica fadado às suas atuações empresariais, bem como o administrador se perpetua na atuação mercadológica, negando ou desconhecendo suas possibilidades de contribuição aos campos sociais, políticos e até mesmo ecológicos, dentre outros.
Durante minha graduação, por exemplo, nos raros momentos em que a discussão não era relacionada a aspectos administrativos privados e mercadológicos, os quais foram predominantemente a cerca do embate ideológico entre capitalismo e socialismo, no qual me colocava a favor do segundo (na época, minha ideologia política era "enlatada", e hoje, talvez pelo contato com uma variedade maior de conhecimentos e experiências, é mais livre, embora preso a alguns pré-conceitos), sempre fui questionado sobre como alguém que estava estudando para ser administrador se colocava contra o capitalismo, o que expõe o débil pensamento predominante de que a administração só é necessária no modelo econômico atual de busca incessante de lucro e que coloca a propriedade privada em plano superior à equidade, ao bem-estar social pleno e à vida. Minha resposta na época, e ainda hoje, é que pensar desta forma é colocar o intelecto no cabresto, afinal, o ideal socialista não é imcompatível com a aplicação do conhecimento das técnicas administrativas, pois vigora como meio de produção e, como tal, necessita de aplicação de técnicas para organização desse processo, porém tendo como objetivo o benefício do bem social.
Por fim, quero afirmar que há necessidade de se pensar não somente dentro dos vértices de sua atuação profissional, mas de expandir esses conhecimentos para serem aplicados em outros campos e buscar outros tipos de conhecimentos, em especial aqueles complementares, sem necessidade, no entanto, de se tornar um polímata. Precisamos ser mais parentéticos (sobre esse termo, sugiro a leitura deste artigo) como apresentou Guerreiro Ramos, abrindo portas, ampliando nosso poder de visão e, principalmente, extravasando o melhor da gente.

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