sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Van Gogh, a Tragédia e a Cor: Wheat Field with the Alpilles Foothills in the Background

Wheat Field with the Alpilles Foothills in the Background, 1888, Vincent van Gogh (1853-1890)
"E é a consciência de que nada (exceto a doença) pode me arrancar esta força que começa agora a se desenvolver, é esta consciência que faz com que eu encare o futuro com coragem, e que no presente eu possa suportar muitos dissabores".
(Vincent van Gogh, Haia, abril de 1882)

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

A importância da literatura para a mulher e o homem de cultura universitária (e não somente para eles)


Considero o ato de ler uma de minhas necessidades atávicas, ademais de ser também um prazer espontâneo, exercido não importa o lugar ou o horário. Por conta disso, tenho sempre buscado enriquecer meus escritos acadêmicos com aquilo que a literatura me proporciona. E me é prazeroso perceber que posso entender o conceito bourdiesiano de habitus ou refletir sobre paisagem por meio de Guimarães Rosa; constatar o sufoco labiríntico que a burocracia nos impõe através de uma leitura de Kafka; enxergar a ideia de incesto que Marcel Mauss nos legou ou uma complexa narrativa sobre a dominação masculina em García Márquez; ou discutir alteridade por meio de William Ospina, dentre tantas outras possibilidades. E a contribuição literária não se restringe a um patamar meramente ilustrativo, podendo contribuir para a própria definição da abordagem que direcionará um estudo. Neste caso, Borges e Allan Poe, para ficar somente nesses dois exemplos, têm muito a nos ensinar sobre rigor metodológico, arbitrariedade em análises e classificações, e sobre técnicas de coleta de dados.
No entanto, e em especial em determinadas áreas de estudo, o recurso à literatura é desdenhado. Importo-me com isso, mas não deixo-o definir minha relação acadêmica com a literatura, e por isso não reconheço nada além de litania em tal tipo de desdém. Dito de outro forma, desdenho desse desdém e confio que ser leitor, no sentido pleno da palavra, faz parte do processo de formação e suscita profundidade reflexiva.
Por cultivar esta crença, estabeleci uma sorte de conduta permanente que consiste em indicar logo na primeira reunião que estabeleço com um(a) orientado(a) pelo menos um texto literário, mesmo que curto, sendo normalmente os de Borges, e o breve artigo que compartilho abaixo com vocês, de Maurício Tragtenberg (1929-1998), um dos autores mais queridos desta casa, e que trata justamente sobre a importância da literatura para homens e mulheres de cultura universitária. Aproveitem-no, e sigam lendo! ;)

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A importância da literatura para o homem de cultura universitária, qualquer que seja sua especialização*, por MaurícioTragtenberg

(licenciado em História pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da
Universidade de São Paulo - USP)

*Trabalho premiado – prêmio Graciliano Ramos – no concurso de literatura
para os universitários do país, instituído pelo Ministério de Educação e Cultura e pela revista O Cruzeiro, conforme sua publicação de 2-1-60.

A mensagem literária dirige-se hoje para um homem que vive numa época de especialização, que exige o culto às ciências naturais como o único digno de si. Partindo dessa premissa, uma evidência nos aponta: encontramos médicos, engenheiros e advogados, mas não o “homem” inserido nessas profissões. Essa especialização diferencia-os do resto da humanidade. Submergidos em suas atividades estes não têm oportunidade para serem no meio dos homens, “iguais entre iguais”.

A especialização é o signo de nossa época. O gigantesco desenvolvimento do conhecimento nas ciências naturais, a centralização de esforços dos Institutos Universitários em torno das pesquisas físicas longe de prescindirem de um sentido humano à sua atividade, colocam-no com mais dramaticidade.

É o espantoso desenvolvimento das ciências naturais que revela o fato do homem achar-se num período de transição. Os velhos valores fenecem e os novos não foram ainda encontrados. Esse vácuo é preenchido pela incerteza do homem quanto ao seu destino [1].

Numa época de especialização [2], a literatura define os ideais de um período de crise e transição. Daí toda grande obra literária ser de um período de transição (veja-se a importância da mensagem de Dante, Dostoievski ou Kafka).

Pois é nesses períodos que se põe dramaticamente ao homem essa interrogação: qual o sentido de sua vida, qual a significação do mundo que o cerca?

O médico, engenheiro, advogado, encarnam especializações necessárias ao exercício de suas atividades, mas têm em comum, um atributo, o de serem humanos e o de enfrentarem idênticos problemas numa sociedade em transição.

Somos filhos de uma sociedade individualista e liberal e caminhamos para um outro tipo de sociedade planificada. Como dar-se-á tal mudança? Quais os agentes desse processo? Não o sabemos. O que sabemos é que assistimos a um espetáculo de crise, de transição, onde os velhos quadros sociais desaparecem e os novos ainda não se estruturaram.

A literatura é uma forma de resposta a essa interrogação. Ela, pelos escritos de Homero, transmitia-nos uma mensagem corporificando um tipo de homem: o cavaleiro e o nobre; pela pena de Hesíodo, transmitia-nos uma ética do trabalho e sua dignificação como sentido da vida [3]. Os escritos de Joyce, Kafka e Faulkner, constituem uma mensagem adequada aos tempos novos: as formas clássicas do romance estão fenecendo; cabe ao homem descobrir uma nova linguagem para exprimir novas experiências de uma nova vida [4].

De todas as formas de arte a literatura é a mais próxima da vida e a mais sintética, pois reúne a arquitetura, quando no processo de composição do romance, a música, na estrutura melódica da frase, a pintura, no traçar o caráter dos personagens, a filosofia, ao definir seus ideais de vida. Daí sua importância para a cultura.

Sendo ela acessível aos diferentes especialistas, poderá formular novas formas de ação ética e padrões morais. Como um sismógrafo poderá ela captar o sentido interno da mudança que se opera no mundo. Para tal, conta com a intuição artística, que faz com que as mudanças sejam pressentidas antes pelos seus possuidores, passando depois aos campos sistemáticos do conhecimento.

A transição do século XIX e XX foi assinalada, em primeiro lugar, pelos impressionistas, pelo naturalismo literário e posteriormente pelos teóricos de política, economia e filosofia.

A literatura pertencendo a um dos campos assistemáticos do conhecimento tem esse poder. Pode auscultar as mudanças que se operam no mundo e pela imaginação de seus grandes nomes, definir ao homem comum, novos caminhos.

Se não conseguir formulá-los com nitidez, pelo menos servirá como testemunho de uma época. A época que produz Camus, Kafka e Faulkner [5], já escolheu seu destino: eles testemunham por ela.

Na época moderna à literatura cabe um papel integrador. O papel de superar o abismo existente entre a arte e a vida, arte e ciência, na medida em que ela mesma é concebida como uma forma de conhecimento dessa totalidade, que é o homem.

Cabe ao escritor viver plenamente sua época, pois só atinge a grandeza, aquele que sentiu seu próprio tempo. Este é o segredo da universalidade de um Goethe, Balzac ou Cervantes.

Nessa tentativa de traçar com lucidez os quadros do mundo, onde se desenrola o drama humano, num período de transição, é que a literatura deixará de ser o “sorriso da sociedade”, para ser testemunho de uma época, uma mensagem acessível a todos, que permitia ao homem independente de sua especialidade sentir-se junto ao seu semelhante, como “igual entre iguais”, cumprindo um sábio preceito chinês.

Se as profissões diferenciam o homem, cabe à arte uni-lo em torno de ideais comuns. Isso ela pode fazê-lo, pois sua linguagem é universal e a condição humana idêntica em toda a face da terra.

NOTAS:
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[1] - A respeito da incerteza do homem quanto ao seu destino individual, num mundo em mudança, existe uma vasta bibliografia, cujos pontos de vista mais relevantes aparecem expostos em:
S. Freud – Civilisation and its discontents. Londres, 1930.
J. Ortega y Gasset – La rebelión de las massas. Madri, 1930.
Huizinga – Entre las sombras Del mañana. Madri, 1936.
Niebuhr – Moral and imoral society. A study in ethics and politics. Nova York, 1932.
Os trabalhos acima estão pautados por uma visão romântica e pessimista ante os problemas da técnica numa sociedade de massas e suas repercussões morais, políticas e econômicas.
Uma posição mais construtiva e realista em relação aos mesmos fenômenos se encontrará em:
Karl Mannheim – Libertad y Planificacion Social. México, 1946.
Karen Horney – The neurotic personality of our time. Londres, 1937.
Erich Fromm – Psicanálise da sociedade contemporânea. São Paulo, 1959.
[2] - A respeito da tendência irrecorrível de nossa civilização à especialização, veja-se Gerth e Mills – “From Max Weber”, cap. Science as vocation. Londres, 1955.
[3] - Sobre a importância da literatura como “formação do homem” em Homero e Hesíodo, veja-se, Werner Jaeger – Paidéia – I Volume,\ págs. 53-93. México, 1955.
[4] - O “tipo ideal” de romance construído arquitetonicamente é o de Balzac. “La Commedie Humaine” representa o ideal linear do romance do século XIX. Com “Lês Faux Monnayeurs” de A. Gide, este esquema de desenvolvimento linear da ação do romance deixa lugar à simultaneidade das ações. Esta ruptura com a construção tradicional de romance é salientada por Claude Edmonde-Magny quando escreve: “en écrivant “Les Faux Monnayeurs”, ce modèle de “sur-roman”, Gide refuse la conception traditionelle du genre, avec une vigueur, à peine moins grande, que celle de son ami Paul Ambroise” in “Histoire du roman français depuis de 1918, pág. 229.” Paris, 1950. Joyce representa uma nova experiência construtiva utilizando um tema clássico. Diferentemente dos modernos, é introspectivo. O monólogo interior é a razão de Dédalo, é uma forma de existência. Joyce lançou essa técnica já descoberta anteriormente por um francês, Edouard Dejardin. Antes de Joyce, já o inglês Stephen Hudson dele já fazia uso. Até o nosso semiconhecido Adelino Magalhães já o usava.
[5] - Em Faulkner o diálogo não é uma relação entre duas consciências, é uma relação com vistas à ação. Ele não exclui inteiramente o monólogo, como por exemplo em “Tandis que j’agonise”. Nota Claude Edmonde Magny, que “chez Faulkner l’analyse intérieure alterne perpetuellement avec l’énoncé des comportements” in L’Age du roman americain, pág. 50. Paris, 1948. No entanto, sua obra, como a de Hemingway, Dos Passos e Caudwel estrutura-se sob modelos behaivoristas inspirados na técnica do cinema norte-americano. A respeito das influências do cinema no romance americano e francês após-guerra, veja-se as pertinentes observações de Magny, ob. cit., pág. 11.

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Espaços públicos urbanos: lugares de lazer, sociabilidade e memória (artigo)

Compartilho com vocês o artigo Espaços públicos urbanos: lugares de lazer, sociabilidade e memória, elaborado por membros do grupo de pesquisa Turismo, Cultura e Meio Ambiente, dentre eles este que vós escreve, e que foi publicado no segundo número de 2014 do periódico Novos Cadernos NAEA.
Nele, analisamos a apropriação dos espaços públicos urbanos de Belém (Pará) e verificamos aspectos simbólicos dos lugares de lazer, das formas de sociabilidade e a construção da memória social, para compreender as dinâmicas, interações e os arranjos sociais existentes dos usuários do Bosque Rodrigues Alves, da Praça Batista Campos e da feira livre do Bairro da Terra Firme. Considerando que a cidade é realidade social que exprime em sua forma física e em sua dinâmica uma das modalidades fundamentais de "organização” das diferenças e é resultado de vários tipos de processos socioespaciais, gerados pela complexa interação entre os agentes modeladores do espaço, interesses diversos, significações e fatores estruturais, evidenciamos a produção do espaço público pelos grupos e classes que ali estão e o entendimento da importância simbólica desses espaços para esses grupos.
Um versão concisa e em espanhol deste artigo foi apresentada durante a décima edição do Foro OcioGune 2015. Foro Internacional de Investigación, Pensamiento y Reflexión en torno al Fenómeno del Ocio, realizado em junho na Facultad de Ciencias Sociales y Humanas da Universidad de Deusto, em Bilbao (Espanha).

Em casos de citação, recomendo o uso da seguinte referência:
BAHIA et al. Espaços públicos urbanos: lugares de lazer, sociabilidade e memória. Novos Cadernos NAEA, v. 17, n. 2, p. 303-324, jul.-dez. 2014. Disponível em: <http://www.periodicos.ufpa.br/index.php/ncn/issue/view/109>;.

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Van Gogh, a Tragédia e a Cor: Sunflowers - 1

Sunflower - 1, 1889, Vincent van Gogh (1853-1890)

 "Um girassol se apropriou de Deus: foi em
Van Gogh."
(Manoel de Barros, no poema Uma didática da invenção, do O Livro das Ignorãças)

terça-feira, 1 de setembro de 2015

A Segunda Vinda do Mr. Niterói

 
Imagem retirada do site de Gus
Black Alien, o liricista que quer tudo de volta, o mais querido da casa, já está preparado para sua segunda vinda. Pelo menos foi o que o rude boy style declarou recentemente, revelando que o esperadíssimo Babylon by Gus - Vol. II: No Princípio Era o Verbo já está pronto e será lançado e liberado para download na próxima quinta-feira, 3 de setembro [ouça o disco e acesse o link para baixá-lo no final dessa postagem].
Foram onze anos de espera, mas Gus justifica tanto tempo assim: "nesse tempo todo, eu trabalhei com diversos outros MCs, fiz cinema, fiz samba... mas eu não tinha nada pra dizer. Agora, tenho!", uma vez declarou.
E apesar de todos os percalços, todos os fantasmas e demônios que precisou esconjurar e exorcizar, B.A nos brindou durante esse tempo com momentos musicalmente antológicos, como o dueto na música Negro Gato com Luiz Melodia, que também terá participação no volume 2 do clássico lançado em mil novecentos e 2004.
Enquanto esperamos ansiosos a quinta-feira para conferir o resultado do esvaziamento desta outra gaveta de guardados, recordo-lhes que em março deste ano, A Lírica Bereta aproveitava de maneira útil sua passagem pelo YouTube para lançar uma série em 6 capítulos (confira-a no final desta postagem) sobre o processo de gravação e de criação desse segundo disco, e sobre muito mais do que isso. Na série, assim como na campanha de financiamento coletivo do No Princípio Era o Verbo, Gustavo reafirmava com outras palavras e atitudes que “está criando, com a humildade de olhar para trás, a curiosidade de olhar para a frente e a coragem de se olhar no espelho para ver que artistas somos hoje".
Logo, se é verdade que tirar foto é fácil, quero ver quem se retrata, Black Alien está levando à risca a provocação feita onze anos atrás e, deixando-nos de testamento o seu pensamento, conjura o Bem, o Sol e a Vida. E os admiradores de Gustavo só podemos nos sentir felizes em vê-lo assim.

No Princípio Era o Verbo - Capítulo 1

No Princípio Era o Verbo - Capítulo 2

No Princípio Era o Verbo - Capítulo 3

No Princípio Era o Verbo - Capítulo 4

No Princípio Era o Verbo - Capítulo 5

No Princípio Era o Verbo - Capítulo Final
      
Atualização em 03.09.2015:
A seguir, ouça faixa por faixa Babylon by Gus - Vol. 2: No Princípio Era o Verbo e baixe essa tijolada AQUI!

 

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Marx voltou

Argentina, tempos atuais. Enquanto uma crise econômica se instala no país, os trabalhadores de uma fábrica gráfica sofrem suspensões e demissões. Um grupo deles decide se organizar para lutar, enquanto os dirigentes sindicais saem em debandada. Martín (Martín Scarfi), trabalhador dessa fábrica, começa a ler O Manifesto Comunista, e, surpreendentemente, encontra-se com o próprio Marx (interpretado por Carlos Weber, de Marx en el Soho). Será sonho ou realidade?
Nos quatro capítulos de Marx ha vuelto (Marx voltou, em tradução livre), o Manifesto é apresentado com clareza, e a cada episódio aparecem as ideias de Marx sobre classes sociais, crises, Estado e comunismo.
Em Marx ha vuelto encontramos uma excelente exposição inicial de parte do pensamento marxiano, criação intelectual que não deve ser passada ao largo, inclusive por aqueles que não se comprazem de seus pressupostos, pois, como diz Martín em um dos episódios, deve-se ser comunista para ler Karl Marx? Por outro lado, o pensamento marxiano é pedra angular para todos aqueles que nos posicionamos criticamente, abaixo e à esquerda, perante a realidade, e que, mesmo se discordamos em alguns momentos de alguns dos paradigmas do método marxista, sabemos reconhecer que talvez sua principal contribuição para a sociedade seja de caráter substancial: a crítica à exploração e às formações socioeconômicas geradas como forma de reprodução do modo de produção hegemônico.
Além dos quatro capítulos que conformam esta websérie, Marx ha vuelto também brinda-nos com um capítulo zero, que simula um inusitado encontro pessoal entre Marx e Leon Trótski (Omar Mussa), que faz uma viagem no tempo para contar ao filósofo alemão sobre o que ocorreu com suas ideias no século XX e, evidentemente, sobre a tirania e hipertrofia burocrática de Josef Stalin.
Marx ha vuelto foi produzida pelo Instituto del Pensamiento Socialista (IPS), e realizada pelo grupo de cinema Contraimagen e o canal de TV online TVPTS, do Partido de Trabajadores Socialistas (PTS). A série está em espanhol, mas possui legendas em português. Desfrutem-na!

Com farinha e sem açúcar,

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Capítulo 1: Burgueses y proletarios


Capítulo 2: El mercado y las crisis capitalistas


Capítulo 3: El Estado y la revolución

Capítulo 4: La lucha por el poder de los trabajadores

Capítulo zero: Comunismo, el encuentro con Trotsky

Fora, Temer!