Sobre
o livro: de autoria de Letícia de Abreu
Pinheiro, Política externa brasileira, 1889-2002 integra a coleção sobre história e cultura
brasileira Descobrindo o Brasil,
dirigida por Celso Castro, bacharel em Ciências Sociais pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestre e doutor em Antropologia Social pelo
Museu Nacional da UFRJ e atual diretor do Centro de Pesquisa e Documentação de
História Contemporânea do Brasil (CPDOC/FGV). Lançado pela Jorge Zahar
Editora, o livro apresenta, em suas 81 páginas, explicitação da autora sobre a
formação da política externa brasileira no período entre 1889, ano da
proclamação da república no Brasil, a 2002, e consta como parte da
bibliografia básica do Concurso de Admissão à Carreira de Diplomata (CACD), do
Instituto Rio Branco (IRBr).
Sobre
a autora: Letícia Pinheiro é graduada em Ciências
Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF); mestre em Relações
Internacionais pela PUC – Rio; doutora em Relações Internacionais pela London School of Economics; integrou o
CPDOC/FVG como pesquisadora e é integrante do Instituto de Relações
Internacionais da PUC – Rio como pesquisadora e professora.
Letícia Pinheiro retrata em Política
externa brasileira, 1889-2002 fatores básicos para o entendimento da
formação da política externa brasileira a partir da Proclamação da República. A
autora inicia definindo o que é política externa, que, de acordo com o que
expõe na obra, é conjunto de ações e decisões de determinado ator, geralmente,
embora não exclusivamente, o Estado, em relação a outros atores externos. Tais
ações e decisões são formuladas a partir de oportunidades e demandas de
natureza doméstica e/ou internacional, sendo conjugação dos interesses e ideias
para inserção de um Estado no sistema internacional.
Logo após a explicação desse conceito,
Pinheiro afirma que a ação externa brasileira representa tanto a busca por
autonomia por meio da aproximação a pólos de poder mundial (inicialmente
Inglaterra; logo após, Estados Unidos da América – EUA; e, atualmente, desponta
a aproximação com a China), mas também a procura por diversificação de
parcerias ou por maior participação nas instituições internacionais (exemplo
disso é a constante exigência de uma vaga permanente no Conselho de Segurança
da Organização das Nações Unidas - ONU).
A obra apresenta claramente que no Brasil a
estratégia adotada em política externa está pautada no alinhamento às potências mundiais, caracterizando-se pela busca do desenvolvimento, permanecendo isolada do debate público, tanto
devido ao baixo impacto que assuntos de natureza internacional exercem sobre a
lógica da competição político-partidária, quanto pelo relativo consenso que a
política externa conseguiu instituir ou fazer parecer instituir.
Segundo Pinheiro, a Proclamação da República,
em 1889, não trouxe grandes alterações na política externa brasileira, uma vez
que pontos centrais da linha diplomática defendida pelos monarquistas permaneceram
sendo apoiados pelos republicanos. Na verdade, a República, embora garantisse a
permanência do modelo agrário-exportador como central na economia brasileira,
consolidou o deslocamento do poder das elites em direção ao Centro-Sul, devido à
substituição da cultura do açúcar pela do café, de grande atratividade no
mercado estadunidense.
Essa transição
econômica e política transferiu o alinhamento da política
externa brasileira de Londres para Washington, sob a justificativa de promoção
do complexo cafeeiro como principal interesse nacional, que, na prática, era
interesse das elites.
Com a nomeação de
José Maria da Silva Paranhos Jr., o Barão do Rio Branco, principal figura do processo de definição e consolidação das fronteiras brasileiras, como substituto de
Quintino Bocaiúva para o cargo de Ministro das Relações Exteriores no ano de
1902, um novo paradigma, definido como pragmático, foi estabelecido na política
externa brasileira, tendo como eixo central a percepção de que os EUA
constituíam um novo pólo de poder mundial e que buscavam a expansão do seu
sistema capitalista e a hegemonia política e econômica no hemisfério, o que
transformava a América Latina em sua área de influência e produzia a ideia de
que o melhor meio de aumento de recursos de poder do Brasil seria uma maior
aproximação com Washington, numa relação de vantagens e ganhos
recíprocos, mas assimétricos, pois os ganhos estadunidenses foram escandalosamente
mais vultosos do que os brasileiros.
Para os
EUA, o real interesse na aproximação com o Brasil era reforçar os
princípios da Doutrina Monroe (nota 1) e do Corolário Roosevelt (nota 2), que, segundo a concepção
da “ingênua” elite brasileira, não se constituíam em faces do imperialismo do
país das listras e estrelas, mas em um recurso defensivo contra o imperialismo
europeu. A aceitação aos princípios da Doutrina resultou numa percepção dos
demais países latino-americanos de que o Brasil desempenharia o papel de
co-responsável e “guarda” dos EUA dentro do continente.
NOTA 1: a Doutrina Monroe se originou em 2 de dezembro de 1823, quando James Monroe, então presidente dos EUA, se pronunciou no Congresso estadunidense a cerca de três princípios contra o colonialismo europeu nas Américas: impossibilidade de criação de novas colônias ao longo do continente; intolerância à interferência de nações europeias em questões internas; e a não participação estadunidense em conflitos envolvendo países europeus. Colocando-se contra a ameaça de países europeus integrantes da Santa Aliança, como Áustria, Rússia e França, de voltar a colonizar países americanos, pregava a “América para os americanos”. A própria indústria do entretenimento americana adotou esses princípios e os Estúdios Walt Disney, por exemplo, lançaram dois filmes direcionados pelos princípios de Monroe: Você já foi à Bahia (The Three Caballeros, no original) e Saludo Amigos (4ª parte do filme abaixo), em que apresenta “costumes” estereotipados de algumas regiões da América Latina. São nesses filmes que surge a personagem brasileira de Walt Disney: o papagaio e malandro Zé Carioca.
NOTA 2: O Corolário Roosevelt foi uma resposta ao bloqueio naval conjunto da
Inglaterra, Itália e Alemanha em 1902 à Venezuela, por ocasião da negação no
pagamento de suas dívidas nacionais pelo presidente Cipriano Castro, que alegava
que os juros eram extorsivos e lesivos. Sendo uma afirmação do “direito” dos
EUA de intervirem na política da América Latina, foi constituído de um
documento enviado ao Congresso estadunidense pelo presidente Theodor Roosevelt
no ano de 1904, considerado como complemento à Doutrina Monroe, afirmando que
os EUA não aceitariam demonstrações de força nas suas áreas de interesse, ainda
que com motivos aceitáveis.
Todavia, o fim da
monarquia no Brasil facilitou a aproximação com os vizinhos continentais, todos
republicanos. Tal fenômeno, considerado por alguns estudiosos como uma americanização do Brasil, ou sua republicanização, como definiu Amado
Cervo e Clodoaldo Bueno, foi favorecido pelo movimento pan-americanista de maior
solidariedade e compromisso entre os povos americanos, resultando em período de
relativa estabilidade política continental, que atenuou inclusive a tradicional disputa com a Argentina por hegemonia na América do Sul.
Posteriormente, com
a entrada do Brasil na Primeira Guerra Mundial em outubro de 1917, após torpedeamento
de navios mercantes pelos alemães, o país se qualificou a participar da
Conferência de Paz de Paris na condição de aliado e a assumir um assento
rotativo no Conselho da Liga das Nações, projetando sua política externa para
além dos limites do continente. Inicia-se, assim, a percepção das elites
governantes de que o Brasil seria detentor de suposto direito de reconhecimento
pela comunidade internacional de seu diferencial na hierarquia mundial, e
passa, portanto, a lutar por um assento permanente no Conselho da Liga,
contrariando os acertos dos Acordos de Locarno (1925), que concedeu o assento à
Alemanha, o que culminou na retirada brasileira da Liga, que defendia o assento
como direito adquirido pela sua contribuição ao esforço de guerra e pelo princípio
de igualdade jurídica dos Estados, defendido pelo jurista Rui Barbosa desde a
Segunda Conferência de Haia (1907).
No livro, Pinheiro
afirma que, durante a República Velha e sob a gestão do Barão, houve a
padronização da origem social dos novos diplomatas, possibilitando a
homogeneidade e a coesão do meio. Zairo Cheibub classifica esse período como
“carismático”, pois nele o Itamaraty acumulou prestígio graças aos feitos do
Barão, sobretudo na consolidação das fronteiras brasileiras, e a seu surpreendente
carisma. Entretanto, o “período carismático” enfraqueceu a estrutura
administrativa da diplomacia brasileira, devido o perfil centralizador do
Barão. Com o falecimento do Barão em fevereiro de 1912, quando assume o cargo
de ministro das Relações Exteriores Lauro Severiano Muller, inicia-se o que foi
denominado por Cheibub de “período burocrático-racional”, onde foram
implementadas inúmeras reformas, como a reabertura de concurso para acesso à
carreira, a padronização da correspondência e a substituição do francês pelo
português como língua diplomática oficial, por exemplo. Tal período perdurou
até o primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945), em que houve uma
reformulação mais ampla da administração pública.
Enfim, isso é parte
do que o excelente livro de Letícia Pinheiro apresenta. Para verificar com mais
profundidade o que foi apresentado e também ter conhecimento sobre o que a
autora fala sobre os períodos posteriores à Velha República, é interessante ler
o livro na íntegra, e a conclusão que se pode chegar sobre a obra é que o
Brasil continua mantendo uma constância em seus padrões de política externa,
que visa à diversificação de relações, mas sempre com um lastro mais forte com
uma potência mundial, que, na atualidade, oscila entre China e EUA. Também é
característica do Brasil um discurso de preservação da autonomia e soberania política dos Estados,
evitando posicionamentos explícitos sobre medidas de intervenção internacional, porém isso é assunto que pode ser abordado em outra postagem.
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