Reproduzo abaixo o diálogo estabelecido por correio eletrônico com o jornalista e sociólogo Lúcio Flávio Pinto, editor do quinzenário Jornal Pessoal, publicado na seção Cart@s da edição 580 do periódico. Considero Lúcio Flávio um dos intelectuais (aqueles que, segundo ele mesmo, comem pelo menos três vezes por dia e são pagos para trabalhar usando o cérebro como ferramenta) e jornalistas paraenses que tratam de forma mais profícua de importantes questões, levando-as para as ruas e libertando-as de nossa torre de marfim. E não são somente assuntos importantes, mas muitas vezes espinhosos para os que estão na parte de cima da pirâmide do poder, daí a quantidade de processos que ele responde na Justiça movidos por aqueles afeitos a somente receber da imprensa fluxos de irrigação para o imenso jardim de seus reis na barriga.
E ainda assim percebo que com Lúcio Flávio ocorre o que passa com muitos daqueles que possuem essa característica de não recearem expressar suas opiniões e análises, feitas de forma apurada, embora em fluxo contínuo e mote continuado, perante os fatos da realidade, colocando-as à disposição do julgamento e da avaliação históricos, e que discorrem sobre temas por vezes tão delicados: proporcionalmente, deles muito se fala e pouco se reflete sobre o que falam e sobre como falam, como se somente citar seus nomes fosse suficiente para dar pinceladas de enriquecimento aos diálogos mais superficiais, - portar-se como poser, como se fala atualmente.
Eis o diálogo; desfrutem (ou não).
Lúcio Flávio Pinto (foto retirada da página de Rogelio Casado) |
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Prezado Lúcio,
Há pouco menos de um ano, deixei de ser leitor intermitente de seu Jornal Pessoal para lê-lo continuamente, o que tem me oferecido bons momentos de reflexão, incentivados por suas análises e provocações. E nesse novo compromisso de leitura que decidi assumir, vem me satisfazendo muito suas publicações sobre a cabanagem, sobretudo o Dossiê n.º 9 deste JP, lançado na recente data dos 180 anos da revolta.
Em um parágrafo da matéria "A revolta nos manuais e numa melhor história" (JP n.º 579, 2.ª quinzena de fevereiro de 2015), você se refere ao Memorial da cabanagem, construído durante o primeiro mandato de governador de Jader Barbalho, em comemoração ao sesquicentenário da revolta.
Ler isso me lembrou um fato: no dia 12 de janeiro de 2012, aniversário de Belém, saía de casa para ir ao trabalho, quando passei em frente a tal monumento, diante do qual fiquei parado por conta do engarrafamento, comuns naquela área na qual este termo e o termo como o local é conhecido infelizmente tornaram-se intercambiáveis.
Na ocasião, notei o abandono em que o monumento se encontrava (e ainda se encontra), e utilizei uma rede social para expressar minha indignação pelas condições do local, acrescentando-lhe observações sobre o fato de que tal obra é uma das poucas em que o famoso arquiteto teve algum tipo de atividade direta no norte do Brasil. Dias depois, resgatei esse desabafo em um blog no qual lanço notas, acrescentando-lhe um poema escrito por Niemeyer.
Passado algum tempo, em novembro do ano passado, recebi um comentário de Kadu Niemeyer, neto de Oscar, no qual agradece pela admiração que demonstrei por seu avô e lamenta o estado da obra, mas afirma não conhecer pessoalmente o monumento, "falha minha que como fotógrafo que desde 1973 vem fotografando os projetos do meu avô e realizando exposições pelo Brasil e mundo a fora. Quem sabe um dia desses vou até aí para registrar o projeto e ou mesmo realizar uma exposição".
Tal comentário me instigou, embora não tenha me deixado surpreso, porque já havia verificado a ausência do monumento em alguns registros da obra do arquiteto, mesmo que seu registro conste, inclusive com esboços, na página eletrônica dedica a Oscar. Ainda assim, procurei um pouco mais sobre o assunto, que à época era um interesse mais lateral, apesar de sua importância, e deparei-me com uma notícia publicada na página eletrônica de Jader Barbalho em dezembro de 2012, na qual o atual senador diz que "[...] nesse momento, em que o mundo todo comenta a morte de Oscar Niemeyer, eu registro o episódio sobre o monumento à Cabanagem, que ele projetou e doou ao nosso Estado. É a única obra erguida, de Niemeyer, em todo o Norte do País. Eu o conheci no momento em que – quando fui governador –o Pará se preparava para festejar o sesquicentenário do movimento da Cabanagem. Eu e o jornalista e historiador Carlos Rocque estabelecemos contato com ele e fizemos muitas reuniões no Posto 6 da Avenida Atlântica, no Rio de Janeiro. Levamos a Niemeyer extenso material sobre o assunto. Quando o projeto ficou pronto, perguntei qual era o custo e ele me disse haver se encantado com os cabanos e que se sentia devedor depois ter conhecido a história da única revolução no Brasil e na América Latina, na qual o povo havia tomado o poder. E explicou a sua obra, que é a representação de um dedo da mão da história. Um dedo fraccionado, justamente quando os cabanos são derrotados. A mão fica embaixo e o dedo aponta para o infinito, porque a história não termina. Abaixo da mão, está a cripta que guarda os restos mortais de líderes do movimento".
Nesse ponto, cautela é necessária, afinal você já destacou em sua matéria o uso utilitário dado ao acontecimento da cabanagem. Em minha resposta, dada por e-mail e em comentário no blog de Kadu, sugeri sua vinda a Belém para realizar o registro e tentar uma exposição, que, se no momento me escapou a lembrança dos 180 anos da cabanagem, sugeria para os 400 anos de Belém. Recentemente, li n'O Globo que, com a falta de patrocínios para suas exposições e para publicar um livro sobre o avô, Kadu vem trabalhando como taxista, o que tem lhe afastado um pouco da fotografia, apesar de afirmar que pretende seguir expondo e vir a lançar o livro. Ainda espero que o fotógrafo venha a Belém registrar esse monumento e expor, e quem sabe possa trazer informações que, dentre as tantas brumas que rodeiam a cabanagem, nos permitam dissipar as que rodeiam o monumento feito em sua homenagem. E, claro, melhorar a situação em que se encontra.
P.S: compartilho da opinião da ombudsman Cintia Moura dada na edição de n.º 573 do JP (1.ª quinzena de novembro de 2014) da satisfação em encontrar notícias sobre temas distintos, como cultura, por exemplo, do que o quinzenário habitualmente mais destaca. Creio que isso enriquece ainda mais o periódico. Também confesso que, devido a importância e o destaque que o JP deu durante o período de gestação da reforma administrativa promovida por Jatene no fim do ano passado, venho esperando com certa ansiedade, embora sem saber se virá, a análise do editor do jornal sobre os termos e consequências de tal reforma. Ademais, também ficaria feliz se, caso possível, a seção Memória do Cotidiano pudesse trazer algum registro da concentração dos girandeiros com seus brinquedos de miriti, tema que me é caro, durante os antigos Círios ocorridos em Belém.
RESPOSTA DE LÚCIO FLÁVIO PINTO
Realmente, faltou completar a análise sobre a reforma do governo Jatene. Além da falta de tempo para tanta coisa que preciso fazer, estava esperando pela sua maturação para checar a hipótese que levantei. Em miúdos, como diria um açougueiro: trocar seis por meia dúzia. A intenção de acrescentar mais racionalidade e eficiência com menor custo foi anulada pela distância entre a teoria e a prática, uma característica marcante no PSDB.
Loquaz e de boa voz, o governador parece se encantar com suas teorizações, várias delas oportunas e promissoras. Mas ao praticar a administração no dia a dia, o que prevalece é o interesse político e a busca por mais poder - ou, ao menos, manter o que ele já detém. Até agora, o governo é o mesmo neste terceiro mandato.
Registro a importância das informações do Amarildo sobre o monumento da cabanagem. É um exemplo de como um intelectual, com as ferramentas que a academia lhe fornece, especialmente para lhe dar régua e compasso, se interessa pela realidade incluindo-a no processo do conhecimento.
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OBS. 1: além da resposta que Lúcio Flávio publicou no próprio quinzenário, recebi dele outra por correio eletrônico assim que o jornalista recebeu meu e-mail. Nela, apesar de curta, o editor apresenta argumentos que podem enriquecer a resposta exposta acima. Pensei em acrescentá-la ao texto, logicamente assinalando-a, mas declinei porque não possuo autorização para tanto. Quem sabe em outro momento...
OBS. 2: neste texto, a palavra CABANAGEM aparece com duas grafias (com a inicial minúscula e com a inicial maiúscula). Essa distinção não é trivial, pois relaciona-se com o significado dado à revolta por quem escreve o termo. Decidi utilizar a escrita com letra minúscula para respeitar a forma como Lúcio Flávio se refere à revolta, e somente escrevi com inicial maiúscula ao reproduzir o trecho do texto de Jader Barbalho, que assim a escreveu.
OBS. 3: Jader está equivocado ao dizer que o memorial é a única obra de Niemeyer erguida no norte do país. Na época do desabafo que me refiro no texto, também sustentava tal crença, alimentada pelo elevado ufanismo que nutrimos, o que gera reflexões vulgares e superficiais sobre fatos e relatos, impede o avanço e aprofundamento de pesquisas, e também serve de ferramenta ideológica para os mais diversos grupos. No entanto, pelo menos outra obra de Niemeyer chegou a ser erguida no norte do Brasil, na cidade de Marabá (Pará), doada pelo arquiteto ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Denominada Monumento Eldorado Memória, a obra é uma homenagem aos trabalhadores sem terra mortos no episódio conhecido como Massacre de Eldorado dos Carajás, em 1996, durante o governo de Almir Gabriel, que, assim como vosso atual governador - que dele foi secretário de planejamento (1995-1998) e, nos meandros da disputa interna por poder, também ganhou a pecha de preguiçoso -, igualmente do PSDB. Ademais, Manaus está às voltas para que o Memorial Encontro das Águas, projetado em 2005 por Niemeyer, venha a ser definitivamente construído e inaugurado na cidade.
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