No último domingo (28/06/15), o jornal Diário do Pará
publicou, em duas páginas, a matéria intitulada Digno de ser patrimônio?
(foto). Na matéria, as autoras falam sobre o caso da proposição do deputado
estadual Antônio Furlan (PTB-AP) de registrar o ritmo musical conhecido como melody
como patrimônio cultural imaterial do estado do Amapá. Também falam sobre o
registro do Círio de Nazaré como patrimônio cultural imaterial do município de
Belém, destacando, nesse caso, a retirada da Festa da Chiquita do contexto
dessa manifestação; e sobre o processo de registro dos Pássaros Juninos.
Diário do Pará, 28/06/15 (domingo), caderno Você, p. 4-5. |
No mesmo dia, enviei um e-mail ao Diário com intuito
de apresentar alguns fatos que devem ser considerados quando se refere
ao tema do reconhecimento e registro de patrimônio cultural imaterial aqui no Pará. No entanto, e até a presente data, não recebi nenhum retorno do veículo de mídia indigitado, sequer
resposta ao meu e-mail. Com isso, sou levado a
acreditar que o jornal dos Barbalho, mais uma vez, pouco se importa para o que
realmente está inserido nas questões que suscita em suas matérias,
utilizando-as, quase sempre, somente para os seus desígnios
políticos-eleitorais, afinal, parece-nos que basta-lhes inflar uma pretensa
opinião pública contra seus adversários políticos, criticando-lhes os mesmos
atos que, quando entronizados nas instituições governamentais, repetem. Mais uma vez, o Diário demonstra, assim como os periódicos do grupo de comunicação e família adversários, ser panfleto político travestido de jornal.
Abaixo, eis a tragédia. Desfrute-a (ou não).
Com farinha e sem açúcar,
***
Após ler a matéria Digno de ser patrimônio?, de Monique
Malcher e Aline Monteiro, e publicada ontem (28/06/15), neste jornal,
considerei importante acrescentar alguns pontos ao debate. Inicialmente,
tangencio a polêmica em torno da proposta do deputado estadual Antônio Furlan
(PTB-AP) de que o ritmo musical denominado como melody torne-se patrimônio cultural imaterial do Estado do Amapá.
Faço isso para falar detidamente sobre a questão desse tipo de patrimônio aqui
no Pará, o que nos ajudará a buscar o fio da meada para entender esse caso aparentemente
cômico que ocorre no Estado vizinho ao nosso.
O termo patrimônio cultural integra,
inicialmente, o léxico político e, posteriormente, administrativo. Daí falar-se
primeiramente em reconhecimento e, depois, em registro do bem como patrimônio
cultural – seja material ou imaterial –, o que implica que, após a execução de
tais atos administrativos, evidenciar-se-á ainda mais o dever que o Estado
possui com a preservação e continuidade de tal bem. Sendo um discurso, o patrimônio
cultural, assim como a tradição –
este outro termo estando intimamente ligado àquele –, é inventado social
e politicamente, e nessa invenção pública,
o verbo dever oculta-se no
substantivo compromisso que marca o
discurso do Estado.
Se discursivamente o
ato de reconhecer e registrar um bem como patrimônio cultural constitui uma
opção em inseri-lo na pauta de prioridades do Estado, a fim de salvaguardá-lo, devem-se
ter, para ir além do discurso, mecanismos legais suficientes para e capazes de
permitir tal transição. Aliás, não devemos somente tê-los, como devemos utilizá-los,
e, no caso do Pará, esta é nossa debilidade.
Realizando-se um breve
levantamento cronológico, chegaremos ao seguinte quadro: (1) em 1989, o artigo
286 da Constituição do Estado do Pará define os bens que compõem o patrimônio
cultural paraense, já os dividindo em material e imaterial, embora sem especificar
cada um dos termos, e estabelece as seis categorias que o compõem e as formas
como o Estado, “com a colaboração da comunidade”, promoverá e protegerá cada
bem: “por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento,
desapropriação e outras formas de acautelamento e preservação”; (2) no ano
seguinte, a Lei n.º 5.629/1990 dispõe sobre a preservação e proteção do que
chama de Patrimônio Histórico, Artístico, Natural e Cultural do Estado do Pará,
estabelecendo os quatro Livros de Tombo ou de Registro de Bens Culturais, que
estariam sob responsabilidade do Departamento Histórico, Artístico e Cultural
da Secretaria de Estado de Cultura (DPHAC/Secult) e dos Agentes Municipais de
Preservação e Proteção do Patrimônio Cultural (AMPPPC); (3) em agosto de 2009,
o Decreto n.º 1.852/2009 “institui o registro dos bens culturais de natureza
imaterial que constituem patrimônio cultural imaterial paraense” e “cria o
Programa Estadual do Patrimônio Imaterial”; (4) em novembro deste mesmo ano, a
Portaria n.º 779/2009 institui normas complementares ao Decreto n.º 1.852/2009,
determinando os procedimentos que deverão ser observados para a instauração e
instrução do processo administrativo de Registro de Bens Culturais de Natureza
Imaterial, e deixando explícita a responsabilidade do Poder Executivo, através
do DPHAC/Secult, na instrução técnica de tal processo administrativo; (5) em
outubro de 2010, o Decreto n.º 2.558/2010 institui o Inventário do Patrimônio
Cultural do Estado do Pará (IPCPA), “uma metodologia de pesquisa com a
finalidade de produzir informações pormenorizadas sobre bens de natureza
material e imaterial, de maneira a contribuir para o conhecimento, a
salvaguarda e a divulgação do Patrimônio Cultural do Estado do Pará”; (6) e no
mês seguinte, a Instrução Normativa n.º 001/2010 irá dispor sobre os meios
necessários para que os interessados obtenham autorização para o uso da
metodologia do IPCPA.
Note-se que,
declinando-se por ora em avaliar o teor de tais dispositivos de reconhecimento
e registro de bens como patrimônio cultural imaterial do Pará, há uma visível evolução
no assunto, com estabelecimento de uma metodologia própria e de uma instrução
que normatiza o uso de tal metodologia, embora, se formos mais um pouco na
análise, perceba-se a repetição quase que integral do teor da legislação
federal (Decreto n.º 3.551/2000; Manual de Aplicação do Inventário de
Referências Culturais; Resolução n.º 001/2006 – Iphan; Instrução Normativa n.º
001/2009 – Iphan) trocando-se somente os termos que designem as esferas de
poder e de atuação.
No entanto, e apesar da
constatação de que tal repetição demonstra o tratamento essencialmente
burocrático da questão, o que desejo destacar é que, apesar da existência de
tais mecanismos, ainda hoje o que se vê é o processo de reconhecimento e
registro de bens como patrimônio cultural imaterial sendo realizado por meio de
projetos de lei propostos por deputados estaduais e apreciados pela Assembleia
Legislativa do Estado do Pará (Alepa), para posterior sanção do Governador do
Estado.
Cito como exemplos de
tal prática os três últimos bens registrados como patrimônio cultural imaterial
do Estado do Pará, todos originários de projetos de lei aprovados na Alepa: o
Festival de Integração Nordestina, realizado no município de Mojuí dos Campos,
reconhecido através da Lei n.º 8.175, de 1.º de junho de 2015, a partir do
Projeto de Lei n.º 71/2014, de autoria do deputado José Megale (PSDB); o Cacau
Fest, realizado no município de Medicilândia, reconhecido através da Lei n.º
8.160, de 09 de abril de 2015, a partir do Projeto de Lei n.º 189/2011, de
autoria do deputado Ozório Juvenil (PMDB); e o Festival Jacaré Verão, realizado
no município de Jacareacanga, reconhecido através da Lei n.º 8.161, de 09 de
abril de 2015, a partir do Projeto de Lei n.º 116/2014, de autoria do deputado
Airton Faleiro (PT).
Não entro na discussão
(e na polêmica) sobre o merecimento do reconhecimento destes e dos outros bens
registrados via tal prática, e destaco mais do que o não cumprimento da legislação
por vários agentes públicos. Os procedimentos técnicos necessários e definidos para
tais registros não são seguidos e, apesar de tais projetos de lei tramitarem em
algumas comissões da Alepa – fato grave, pois demonstra que os deputados, cuja
responsabilidade primordial está ligada às leis estaduais, ignoram, de forma
deliberada ou não, a legislação em vigor –, pouco se sabe sobre o estado em que
se encontrava cada um dos bens que foi registrado, o que é de fundamental
importância para conhecermos as condições em que se deu esse registro e, mais
ainda, para que posteriormente sejam delineadas políticas e ações de salvaguarda,
afinal, esta não é a finalidade do registro?
Em relação à Alepa,
causa-me estranhamento que o site da própria instituição informe que “o tema [votação do Projeto de Lei n.º n.º 71/2014] levantou a questão da pesquisa e critérios para a aplicação da classificação de ‘patrimônio imaterial’”, e que “o deputado Edilson Moura (PT) [...] informou que apresentou há cerca de dois anos [2012] um projeto para disciplinar a escolha do que pode ou não ser considerado patrimônio imaterial [...]”, desconhecendo, portanto, que durante os quatro anos de seu partido no
executivo estadual houve a criação dos dispositivos legais existentes que
tratam especificamente desse ponto.
Se
assim é, que se manifestem, sobre tal tema, a
Alepa, a Secult, o Governador do Estado, e quem mais esteja incluído ou se
sensibilize por tal discussão, afinal, feito da maneira que ainda se verifica,
pouco ou quase nada significa a realização do registro, pois gera leis que
servem mais aos desígnios de promoção política de seus proponentes. Além da
marca de patrimônio cultural do Estado do
Pará que imputam aos bens registrados, que outros benefícios efetivos lhes
destinam? Nesses casos, pagar somente com o prestígio de carregar tal marca é
pagar aos detentores (para usar a terminologia estatal) o que de mais baixo e
de mais enganoso há – seja em termos culturais, seja em termos políticos.
A partir do que expus,
vê-se que há uma homologia com o que ocorre no vizinho Amapá, e talvez por isso
o projeto de Furlan trate do melody, ritmo musical de maior penetração popular
e, portanto, passível de maior eficácia em gerar frutos políticos-eleitorais ao
seu proponente, assim como há homologia no que ocorre no nível municipal em
Belém, embora a eliminação da Festa da Chiquita do escopo da lei que reconhece
o Círio de Nazaré como patrimônio cultural imaterial do município reflita, além
dessa homologia, os preconceitos, a ignorância e a mediocridade do vereador
Victor Cunha (PTB) e do prefeito Zenaldo Coutinho (PSDB) quando se trata do
tema patrimônio cultural. Talvez, bem mais do que isso...
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