“Ganhar ou perder, mas sempre com Democracia”
(lema da
Democracia Corinthiana)
A taça também fora
levantada antes do início daquela nervosa rodada, no exato momento em que jogadores
e torcedores ergueram os braços, punhos cerrados, no centro do gramado, na
arquibancada ou em frente a uma televisão – gesto duro, mas que não declina da
ternura e contribui para aumentar a tenaz vantagem da vida sobre a morte. A celebração
de um homem especial.
Longe do estádio e daquela
missa de extrema unção, em frente a um desses bares pés-sujos cujo dono é
irresistivelmente mal-humorado, um garoto, Carlos, calção e camiseta rota, que
mirava a transmissão da partida do meio da rua, decidira-se platonicamente ser tal
qual o homem que imortalizara aquele gesto nos gramados. E um luto de alegria também
decidira sair às ruas. Bêbado, barulhento, jocoso. Sofredor como um bando de
loucos.
Carlos observara aquilo
e mudava ali talvez não sua vida, ainda pequena para um mundo tão grande, mas pela
primeira vez percebera a realidade dos que vivem convictos nos conceitos que sempre
tiveram e que sempre expressaram. Dos que, por se ocuparem de coisas diversas
daquelas que ocupam seus pares, ganham fama, calúnias e acusações. Eis uma
beleza triste, contraditória e solitária.
Carlos então decide caminhar
em direção à sua casa, exortando com o olhar todos a terem cuidado para não
serem por ele, hábil no caminhar e em ler o movimento dos corpos, enganados. Também
começa a especular as coisas celestes – folhas-secas, bicicletas, lençóis,
dribles da vaca – e investigar as subterrâneas – a organização da Copa do Mundo,
os xingamentos ao juiz, o grito de gol, a entrevista concedida pelo técnico da Canarinho, o grito racista que ainda vem das arquibancadas
–, e decide tornar mais forte a razão mais débil. Assim como mudam os mundos,
algo mais mudava.
Havia uma bola de meia
no meio da rua. No meio da rua – da rua de terra batida onde vive – havia uma
bola de meia. E dois, três garotos. E uma, duas traves feitas de pedaços de
madeira fincados àquele pedaço de chão. E um convite, uma nova inspiração para
seus sonhos e devaneios. Inicia-se ali um jogo simples, mas um jogo de luta,
de tática, de guerra, de pés descalços pisando o chão para assim revelarem a
riqueza rara que possuem. Um jogo do qual aquele garoto, de alguma maneira, agora
sabe que não servirá para muita coisa se o Homem não presta.
Uma caneta, um toque
para o lado, uma cara-torta matreira, o passe preciso com o calcanhar – de ouro,
astúcia de mãos –, a tabelinha, e o chute forte, rente à trave-pedaço-de-pau
esquerda. Explosão de alento e alegria infantil – gooooolllllll –, e o braço erguido,
punho cerrado, numa humildade que sempre desdenhou dos palpites e humilha os
prepotentes. A linha da bola desenhada. Uma obra-prima, imperfeita e inculta. Como
deve ser, e como dizem que irritava Flaubert.
Algumas pessoas nasceram
para árvore. Outras, para vento. E por mais que se tente, é inútil querer
prender o vento em uma gaiola. O Dr. Sócrates, que nunca quis ser árvore,
morrera naquela madrugada de domingo, ébrio de todas as convicções que
cultivara e que nunca omitira. Um garoto despertou no fim da tarde daquele
mesmo domingo, talvez com o pássaro azul do Velho Buk em seu coração, mas moldado
para o grande e para o belo, escolhido pela vida a ser o próximo a ir disputar
uma dividida – vai, artilheiro, vira o
jogo! Quem vai para melhor sorte?
Texto ligeiramente modificado em 03.09.2014.
Texto ligeiramente modificado em 03.09.2014.
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