domingo, 11 de maio de 2014

A história de Durito, parte 1 - dez anos antes*


Subcomandanta Mariana Moguel,

Saúdo-a com respeito e a felicito pelo novo grau que adquiriu com seu desenho. Permita-me contar-lhe uma história que, talvez, algum dia entenderá. É a história de...
Durito


Vou contar uma história que me passou outro dia. É a história de um pequeno besouro que usa óculos e fuma cachimbo. O conheci um dia que estava buscando o tabaco para fumar e não o encontrava. De pronto, ao lado de minha rede, vi que estava caído um pouco de tabaco e que se formava uma pequena fileira. A segui para ver onde estava meu tabaco e averiguar quem diabos o havia agarrado e estava desperdiçando-o. A uns quantos metros e detrás de uma pedra, encontrei um besouro sentado em uma pequena escrivaninha, lendo uns papeis e fumando num cachimbo diminuto.

- Aham, aham – eu disse para que o besouro notasse minha presença, mas não me fez caso.
Então lhe disse:
- Ouça, esse tabaco é meu.
O besouro tirou os óculos, me fitou de cima a baixo e me disse muito zangado:
- Por favor, capitão, lhe suplico que não me interrompa. Não se dá conta de que estou estudando?
Eu me surpreendi um pouco e lhe ia dar uma patada, mas me acalmei e me sentei ao lado para esperar que terminara de estudar. Um tempinho depois, recolheu seus papeis, os guardou na gaveta e, mordiscando seu cachimbo, me disse:
- Bom, agora sim. Em que posso servir-lhe, capitão?
- Meu tabaco - lhe respondi.
- Seu tabaco? - me disse. - Quer que lhe dê um pouco?
Eu comecei a me enfadar, mas o pequeno besouro me passou com sua patinha a bolsa de tabaco e agregou:
- Não se irrite, capitão. Compreenda que aqui não se pode conseguir tabaco e tive que tomar um pouco do seu.
Eu me tranquilizei. O besouro me caía bem, e lhe disse:
- Não se preocupe. Por aí tenho mais.
- Mmh - respondeu.
- E você, como se chama? - lhe perguntei.
- Nabucodonosor - disse, e continuou – mas meus amigos me chamam de Durito. Você pode me chamar de Durito, capitão.
Eu lhe agradeci a atenção e lhe perguntei que era o que estava estudando.
- Estudo sobre o neoliberalismo e sua estratégia de dominação para América Latina - me respondeu.
- E isso de que serve a um besouro? - lhe perguntei.
E ele me respondeu muito irritado: “Como que de que? Tenho que saber quanto tempo vai durar a luta de vocês e se vão ganhar ou não. Ademais, um besouro deve preocupar-se por estudar a situação do mundo em que vive, não lhe parece capitão?”
- Não sei - lhe disse. – Mas, para que você quer saber quanto tempo vai durar nossa luta e se vamos ganhar ou não?
- Bem, não se entendeu nada - me disse colocando-se os óculos e acendendo seu cachimbo. Depois de soltar uma baforada de fumo continuou:
- Para saber quanto tempo nos vamos a estar cuidando os besouros de que não nos vão a esmagar com suas botinas.
- Ah! – eu disse.
- Mmh - disse ele.
- E a que conclusão há chegado você em seu estudo? - lhe perguntei.
Ele sacou seus papeis da gaveta e os começou a folhear.
- Mmh... mmh - dizia enquanto os revisava.
Depois que acabou de fazê-lo, me fitou os olhos e me disse:
- Vão ganhar.
- Isso já sabia - lhe disse. E agreguei: - Mas, quanto tempo vai tardar?
- Muito - me disse suspirando com resignação.
- Isso também já sabia... Não sabe quanto tempo exatamente? - perguntei.
- Não se pode saber com exatidão. Muita coisa se deve tomar em conta: as condições objetivas, a maturidade das condições subjetivas, a correlação de forças, a crise do imperialismo, a crise do socialismo, etc., etc.
- Mmh – eu disse.
- Em que pensa, capitão?
- Em nada - lhe contestei. – Bem, senhor Durito, tenho que retirar-me. Tive muito gosto em conhecê-lo. Saiba você que pode tomar todo o tabaco que goste quando queira.
- Obrigado, capitão. Podes dispensar o uso do “senhor”, se queres - me disse.
- Obrigado, Durito. Agora vou dar ordem a meus companheiros de que está proibido pisar aos besouros. Espero que isso ajude.
- Obrigado, capitão, nos será de muita utilidade tua ordem.
- Como queira que seja. Cuide-se muito porque meus rapazes são muito distraídos e nem sempre observam onde põem o pé.
- Assim o farei, capitão.
- Até logo.
- Até logo. Venha quando queiras e conversaremos.
- Assim o farei - disse, e me retirei até a intendência.

***

É tudo, Mariana. Espero conhecê-la pessoalmente algum dia e poder intercambiar balaclavas e desenhos. Vale.
Saúde e outras aquarelas, porque, com as que usastes, seguro que se acabou a tinta.

Subcomandante Insurgente Marcos
Montanhas do Sudeste Mexicano

*Tradução do conto La historia de Durito, que aparece pela primeira vez no Comunicado do Ejército Zapatista de Liberación Nacional (EZLN) de 10 de abril de 1994. Texto original em Palabra Zapatista. Para escutar ou baixar de graça o conto, acesse CEDOZ.

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