Gauguin's chair, 1888, Vincent van Gogh (1853-1890) |
"[...] Entre dois seres, ele e eu, um todo vulcão e o outro fervendo também, mas de alguma forma preparava-se uma batalha.
Primeiramente achei, em tudo e por tudo, uma desordem que me chocou. A caixa de cores mal bastava para conter tubos espremidos, nunca fechados, e, apesar dessa desordem, desse desperdício, um todo brilhava na tela; também em suas palavras. Daudet, Goncourt, a Bíblia queimavam esse cérebro de holandês. [...]
[...] Tive a ideia de fazer seu retrato pintando a natureza-morta que ele tanto amava, a dos girassóis. Quando terminei, ele me disse: 'Sou eu mesmo, mas eu enlouquecido'.
Na mesma noite fomos ao café. Ele tomou um absinto leve.
De repente, ele me jogou na cara o copo e o seu conteúdo. Aparei o golpe e, pegando-o forte pelo braço, saí do café, atravessei a praça Victor Hugo e, alguns minutos depois, Vincent achava-se em sua cama, onde em alguns segundos dormiu para se levantar somente na manhã seguinte.
Ao despertar, muito calmo, ele me disse: 'Meu caro Gauguin, tenho uma vaga lembrança de que ontem à noite o ofendi'.
- Eu o perdoo de bom grado e de todo coração, mas a cena de ontem poderia se repetir, e se eu fosse atacado poderia perder as estribeiras e estrangulá-lo. Permita-me então escrever ao seu irmão para anunciar-lhe meu regresso.
Que dia, meu Deus!
Chegando a noite, acabara meu jantar e sentia a necessidade de ir sozinho respirar o ar perfumado dos loureiros em flor. Já atravessara quase inteiramente a praça Victor Hugo, quando ouvi atrás de mim um pequeno passo bem conhecido, rápido e irregular. Virei-me no exato momento em que Vincent se precipitava sobre mim com uma navalha aberta na mão. Meu olhar nesse momento deve ter sido muito poderoso, pois ele parou e, baixando a cabeça, retomou correndo o caminho de casa.
Será que fui covarde nesse momento e não deveria tê-lo desarmado e procurado acalmá-lo? Várias vezes interroguei minha consciência e não me censurei em nada.
Quem quiser que me jogue a primeira pedra. [...]
[...] Nos Monstros, Jean Dolent escreve:
'Quando Gauguin diz: Vincent, sua voz é doce'.
Não sabendo disso, mas tendo adivinhado, Jean Dolent tem razão. Sabemos por quê".
(Paul Gauguin, sobre o incidente de automutilação de Van Gogh, em seu livro Antes e Depois)
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