O texto abaixo representa um pouco,
descontadas as peculiaridades, o meu estado de espírito atual. Esse é o quinto
capítulo do livro "O Suicida ou Narcomania: o retrato de um
anti-heroi", de Dom Aquiles Crowley. Começado a ser escrito em 30 de
dezembro de 2008, o livro se encontra paralisado desde 11 de maio de 2009.
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Skull of a Skeleton with Burning Cigarette (1886) - Vincent van Gogh (1853-1890) |
Trrrriiiiimmmmmmmm....O telefone
tocou!
-“Alô?”, Seu Mário atendeu.
-“Se-se-u Má-má-rio, o senhor está
bem?”, uma voz trêmula e engasgada respondeu.
-“Aconteceu algo? O que está havendo?”
-“Seu Mário, foi o Dionísio...”
-“O quê aconteceu com o Dionísio?!”
-“Bem... Ele... Ele foi encontrado...
foi encontrado mor... morto hoje de manhã e....”, tum tum tum tum, o telefone
foi desligado do outro lado.
Mário Balder era dono de uma
pequena loja de auto peças em Abaetetuba, onde reconstruía sua Vida e
trabalhava movido por um Sonho: ver Dionísio formado, administrando e fazendo
crescer o negócio da família. Ele viveu com a mãe de Dionísio por doze anos e
moravam em Belém, onde eram donos de um bar e um restaurante, separando-se
dela, quando o filho tinha onze anos, de uma maneira dura, regada a lágrimas e
muito álcool. Dionísio acreditava que haviam outros motivos além do alcoolismo
do pai para aquela separação, mas fechou-se consigo mesmo de tal forma que não
conseguia Coragem para descobri-los, e sofreu muito com tudo aquilo, um
Sofrimento calado, oculto, no silêncio e escuro da madrugada, sob os lençóis
que ora serviam para enxugar sua lágrima, ora para serem colocados na boca para
sufocar e amordaçar o Pranto.
Foi ali na cama que, cortando ao meio
as fotos que tinha de seu pai junto com sua mãe, começaram a se manifestar as
primeiras mudanças no seu modo de viver e agir; nasceu o Sofrimento, seu amigo
mais íntimo e que sempre o acompanhava. Nasceu nu, como nascem todos os bebês,
e fraco, precisando de uma incubadora, como todos os prematuros, mas foi bem
cuidado e alimentado, fez-se forte, robusto, belo (se não fosse não o estaria
retratando aqui, leitor ignorante), mas não veio só a este Mundo. Junto a ele
vieram dois irmãos: a Rebeldia, que também o acompanhou por toda a Vida e gerou
filhos, alguns lindos, mas que só as pessoas de coração reto e
espírito crítico podem detectar, que chamamos Virtudes, e outros horríveis e
corrompidos, os quais os hipócritas transformam na única maneira de se recordar
das pessoas, chamados de Vícios; e o Ódio, que tornou-se um mordomo em seu
Coração, onde o Sofrimento era senhor e a Rebeldia, com seu ar feminino e
feminista, madame. Com relação ao mordomo dessa bela e imponente mansão
que é o Coração humano, mostrou-se forte, sobretudo com relação ao pai de
Dionísio, visto pelo filho como responsável por aquela separação e acusado de
abandoná-lo para viver no interior do Pará, entregue ao famoso destilado de
cana daquela região e aos braços das mais diversas mulheres em detrimento da
felicidade do “herdeiro do trono nórdico”, algo que realmente ocorreu nos
quatro primeiros anos que se sucederam.
Entretanto, Dionísio assassina a
sangue frio aquele Ódio, com ajuda de seus irmãos que, inspirados em Caim,
sentiram que perdiam espaço no Grande Castelo para um simples e paupérrimo
serviçal, quando percebe que, após aqueles quatro anos em que as mulheres e os drinques
cumpriram mandato na Vida de Mário, o pai superara a Dor e voltou-se, como
outrora, a pensar no filho. Mas, todo aquele tempo convivendo com um ser tão
colérico tornaram Dionísio um jovem preso aos seus próprios Sentimentos e
Pensamentos. Além disso, possibilitou um aprendizado que marcou sua Vida: “o
Sofrimento vai embora após uns drinques e algumas transas”,
pensara ele. Pobre Dionísio! Talvez estivera, em determinado ponto, certo em
suas reflexões, entretanto não entendera que eram algumas mulheres e doses de
bebida, e não garrafas e mais garrafas de todo tipo de bebida, automutilação, putas e
vadias, pasta de cocaína, papelotes de maconha ou saquinhos de pó.
Mário casou-se novamente, mas não teve
mais nenhum filho. Largou o álcool e dedicava-se exclusivamente a duas coisas:
seu trabalho, de onde tirava o sustento para si e pagava os estudos do filho, e
sua esposa. Uma vez por mês ia à Belém visitar Dionísio, e nunca percebera algo
de errado: desde cedo o filho aprendera a esconder seus sentimentos e
pensamentos e tornara-se praticamente insondável. Não aprovava o fato do filho
morar sozinho na capital, visto que ele, como já foi dito, morava em Abaetetuba,
e a mãe de Dionísio, em Paragominas; mas, aceitava a situação devido o
filho está cursando faculdade na capital e, mais do que isso, sentia maturidade
e confiava no filho.
Aquele homem, que havia se regenerado
e fortalecido, fraquejou naquele instante. Pediu a um de seus
funcionários que fechasse a loja no final do expediente e saiu, atônito e
sem responder a pergunta de seus funcionários sobre o que havia acontecido, tal
o abalo que sofrera. Pôs-se a andar sem saber para onde ir e sem responder
às saudações dos muitos conhecidos que cruzavam seu caminho. Ia refletindo o
porquê de não ter atentado mais para o comportamento do filho.
Era seu dever de pai buscar
informações junto aos vizinhos da casa que alugara sobre o tipo de pessoas com
quem o filho mantinha amizades e o que andava fazendo, mas as Saudades e a
vontade de ver, abraçar e beijar o filho o cegava e o fazia limitar-se apenas
ao que ouvia dele. Nesse momento, um anjo sujo e mal vestido deteve Mário em
frente a um bar, o mesmo que há anos atrás o via caído, bêbado e maltrapilho.
Mário entrou no bar e tudo estava do mesmo modo, exceto por alguns
bêbados que já não frequentavam o decaído estabelecimento: dois ou três, dos
quais Mário era um, largaram seus ofícios etílicos e outros
tantos jaziam no cemitério público, uns vítimas da violência que um pequeno
exagero de doses pode causar, e que num dia quase levou a alma de Mário, que
ainda guarda as cicatrizes no tórax, outros, a maioria na verdade, sucumbiram
aos combalimentos do fígado.
-“Uma dose de vodka!”, o
homem falou depois de um século de silêncio que se fez com sua repentina
entrada após aqueles cinco anos que se passaram desde a última dose.
-“Seu Mário, o senhor tá com algum
problema?”, perguntou o dono do bar, admirado com o velho cliente que
retornara, uma versão porca do Filho Pródigo do Evangelho.
-“Isso aqui é um bar ou um consultório
psiquiátrico? Cadê minha dose, estou esperando homem!!”, respondeu Mário,
sentando-se e abaixando a cabeça.
-“Iiihhh... Deve de ser chifre...”,
punha-se a dizer um bêbado sentado aos fundos do bar espetando uma azeitona
que, felizmente, não foi notado por Mário.
O dono do bar colocou a dose pedida,
que foi consumida só num trago e acompanhada do pedido de mais uma, agora mais forte.
-“Mas seu Mário, o senhor....”
-“Mas é o caralho! Me dá outra
dose, porra, eu vou pagar!”
Álcool... Recolhido da garapa da
cana, tal qual o melado, mas, diferente do outro, que vem adoçar as miseráveis
vidas do povo do sertão, é feito para inflamar, não só da maneira literal, mas
também, e principalmente, aquecer o Coração dos necessitados. Mário passou da
conta, mas não o julgue e tão pouco o condene por isso: você não tem o mínimo
entendimento e maturidade de espírito para fazer isto. Ele se sentia impotente
em frente ao que acontecera a seu filho, precisava de um acalento para seu
Coração. Na verdade, queria estar louco, tal qual o rei trácio que
retalhou o filho a machadadas. Não! Não era isso que deveria e queria ter dito,
entretanto não apago esta linha pois a palavra dita, tal qual a flecha lançada,
não pode retornar antes de cumprir seu curso. Fica então uma retratação:
desculpe-me, leitor, minha falta de coerência, bom senso e poesia e meu gosto
pelas lendas gregas, que acabam ofendendo sua “vã filosofia”.
Mário não queria a Sandice, ela é
péssima noiva, e muito menos recolher os pedaços do filho. Queria o filho a seu
lado, queria ajudá-lo, levantá-lo quando este caísse (tal qual fazia quando o
ensinara ainda pivete a andar de bicicleta), cobrir-lhe com o mais caloroso
cobertor nos dias de inverno ou segurar em suas mãos como quando o filho
chorava de medo das frestas da ponte de madeira do Porto do Arapari, mas
sempre inteiro e pronto a um novo e belo aprendizado. Porém não podia fazer
isso, pois a bela Perséphone o seduziu, e o impiedoso Hades, ferido
em sua Honra, o prendera no Tártaro, tal como fez a seu pai e aos outros
poderosos Titãs, como punição por cortejar a Rainha dos Mortos e pelo formoso
par de chifres que recebera em sua incandescente cabeça.
Então, como resgatar Dionísio?
Impossível, só os heróis gregos eram capazes de tais façanhas e todos já não
vivem. Como ele pagaria Caronte, o barqueiro, ou como derrotaria Cérbero,
o Guardião do Inferno? Mais uma vez ele se sentiu impotente, e essa impotência
se mostrou em lágrimas, mas não lágrimas comuns a um mortal e nem lágrimas de
um imortal, se é que estes choram, mas lágrimas de um pai, pois ser pai é
mais que ser mortal ou imortal, é morrer e renascer a cada geração que se
sucede como um novo galho no mesmo tronco da Árvore da Vida. Portanto, eram
lágrimas de álcool, que ardiam seus olhos e queimavam seu Coração. Eram
lágrimas e soluços e uma dose e uma blasfêmia e outra dose e...
“Não!!! Um tira-gosto não, pois preciso sentir todo o amargo que existe em meu
Coração para poder temperá-lo com o sal de minhas lágrimas. Lágrimas de
álcool...”.
2 comentários:
O Aquiles tava meio esquecido, solitário, então resolvi trazê-lo pra cá. Vou tornar esse meu alterego uma espécie de colaborador, pra trazer um pouco de seu caráter subversivo e seus escritos irônicos e carregados de significados pra esse turbilhão que é o AParáTto.
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